Título: Uma agenda necessária para as exportações ::
Autor: Cordeiro Jr. Mario
Fonte: Valor Econômico, 07/05/2010, Opinião, p. A12

No ano passado se observou a mais drástica redução das exportações nacionais, desde a década dos quarenta. A presente crise haverá de durar. Logo, uma agenda de medidas econômicas se faz necessária para enfrentá-la. Na verdade é preciso romper o aparato legal dos instrumentos cambiais, de financiamento, tributário e comercial instituídos nos períodos de 1929/34, de 1964/66, bem como depois da Constituição de 1988.

Sob o ponto de vista cambial se tem de revogar explicitamente os decretos-leis datados de 1931 e 1933 que centralizam as operações cambiais e outorga poder de monopólio à autoridade do Banco Central. O fato de uma legislação cambial da era Vargas estar ainda em vigor faz com que a demanda e a oferta de/por moedas no mercado de câmbio sejam direcionadas e compartimentadas em função da natureza de cada operação e por tipo de contrato de câmbio - comercial ou financeiro. Isso torna restrita a conversibilidade da moeda brasileira.

Desse modo, a norma, a prática histórica e os fundamentos legais do mercado de câmbio brasileiro ainda estão estabelecidos para lidar com situações de desequilíbrio entre oferta e demanda, e racionamento de divisas, usando o procedimento da sem/com cobertura cambial. Logo, há necessidade do Congresso aprovar nova legislação para disciplinar as operações de câmbio de modo a estruturar um mercado livre, com poucas restrições aos pagamentos internacionais, tornando o real conversível.

Por sua vez, a escassez crônica de divisas observada no mercado cambial incentivou ao longo da nossa história a captação pelos bancos privados de linhas de créditos em moeda estrangeira como fonte de "funding" para financiar as exportações. Esses recursos são oferecidos ao exportador por meio de ACC, ACE, e pré-pagamento. Por sua vez, os recursos públicos em moeda nacional no passado para financiar as vendas externas eram oriundos do orçamento monetário, enquanto hoje são oriundos do orçamento fiscal (Proex) ou da poupança forçada (FAT ou FAT cambial). Desse modo, temos bancos privados e públicos (BNDES, e BB) que demandam e requerem fontes de recursos e dão uso a esses recursos financiando as exportações nacionais.

Estima-se que cerca de R$ 50 bilhões seja a necessidade mínima de recursos para Trade Finance. Nesse contexto, a questão a ser respondida é como mobilizar recursos para suprir as fontes de financiamento às vendas externas. A solução é o Congresso instituir um Fundo Para Promoção das Exportações. Esse fundo deve ser composto por recursos públicos oriundos de tributos, taxas e das reservas internacionais. Criar fundo com recursos para financiar vendas externas é condição necessária e suficiente, banco de comercio exterior não.

Já no tocante aos tributos se constata desde os anos trinta um contrato incompleto constitucional entre a União, Estados, Municípios, e exportadores. No caso do imposto de exportação, até os anos sessenta este era fonte de receita estadual, e com a reforma tributaria de 1966, foi substituído pelo ICMS. Na verdade, sob o aspecto de tributação às exportações, o Brasil ainda não é uma Federação. Hoje em dia, nosso maior problema se concentra no ICMS, em razão da imunidade constitucional não ser respeitada.

Essa estrutura tributária não é adequada para se operar em regime de economia aberta, e por isso deveria ser instituído sistema de desoneração dos insumos - mercadorias e serviços - destinados a produto a ser exportado, ao longo da cadeia produtiva, eliminando-se definitivamente os problemas de compensação, acúmulo de créditos e eventual ressarcimento às empresas exportadoras. Vale ressaltar que o Confaz tem poder de instituir esse sistema à proporção que se disseminar o uso da nota fiscal eletrônica pelo país.

Em complementação, se deve instituir fundo, com recursos provenientes das parcelas dos tributos federais e estaduais pagos na importação: imposto de importação; imposto sobre produtos industrializados; ICMS; PIS/PASEP-importação e COFINS-importação, para ressarcir (1) o "estoque" de saldos de créditos gerados pela exportação detidos pelas empresas exportadoras, existentes até a data da efetiva implementação do fundo; e (2) os Estados de localização dos integrantes da cadeia produtiva, fornecedores e exportadores, a partir da implementação do sistema de desoneração dos insumos - mercadorias e serviços - destinados a produto a ser exportado, ao longo da cadeia produtiva.

Vale lembrar que a constituição de 1988 mediante o artigo 237 outorgou poder à Receita Federal na área de comércio exterior resultando em aumento da burocracia tributária e aduaneira. Desse modo, aumentou a complexidade e a morosidade do sistema de ressarcimento do IPI, PIS/PASEP e da COFINS, decorrentes de exportação. Em parte, a redução desses problemas pode ser sanada por via administrativa, mas urge que haja emenda constitucional que revogue esse artigo, e se crie uma aduana profissionalizada. Cabe mencionar que apesar da extinção da Cacex, a análise dos aspectos comerciais das operações de comércio exterior pela atual Secex está ainda sujeita ao decreto-lei 37 e a lei 5.025 que estão em vigor, e foram editados em 1966. Logo, modernizar essa legislação e aprová-la no Congresso Nacional é fundamental para reduzir a burocracia.

Para implantar e coordenar a política de governo e enfrentar a crise internacional sem medo de ser feliz se deve simplesmente re-instaurar a tradição republicana de se exercer o poder de Estado na área de comércio exterior mediante um conselho, que no período de Vargas foi o Conselho de Comercio Exterior. No período militar se denominava Concex e no momento atual se chama Camex.

Ressalte-se que a legislação atual permite ao Presidente por meio de simples decreto dar poder total à Camex para implantar uma agenda de medidas com este corte para sair da crise que assola as vendas externas brasileiras. Vale lembrar que a sua adoção requer ruptura com passado, algo impensável no atual governo. É importante que o próximo governo ao menos tenha uma agenda para as exportações.

Mario Cordeiro de Carvalho Junior é professor da FAF-UERJ