Título: Queria terminar a vida como estadista e o GDF é tarefa para xerife
Autor: Buarque , Cristovam
Fonte: Valor Econômico, 15/03/2010, Política, p. A12

Se os partidos deesquerda não estiverem unidos para enfrentar o ex-governador JoaquimRoriz (PSC) na eleição para governador do Distrito Federal, o senadorCristovam Buarque (PDT-DF) admite se candidatar, embora prefiraconcorrer à reeleição ao Senado. "Eu queria chegar nessa idade comoestadista e o próximo governador vai ser um xerife", diz ele.

Cobrado"nas ruas" a entrar na disputa ao governo, depois do escândalo quelevou à cadeia o governador licenciado, José Roberto Arruda (sempartido, ex-DEM), Cristovam não quer ser acusado de "virar as costas"para o povo.

Por issotorce pela união de oito partidos, entre eles o PT, que teria força comqualquer candidato. Mas o senador teme que o PT lance chapa sozinho."Se a esquerda se dividir e Roriz estiver na disputa, terei que sercandidato, porque pelo menos não vai ficar a marca de que o Rorizganhou sem eu brigar com ele", diz o senador, em entrevista ao Valor.

Valor: O senhor já decidiu se será candidato a governador?

Cristovam Buarque: Acho que a melhor posição que eu posso exercer na política a serviço doBrasil e do Distrito Federal é no Senado. Tenho mais de cem projetos emandamento, um deles é o mais revolucionário do Brasil: cria a carreiranacional do magistério. Não gostaria vê-los parados. As crises doSenado passaram a ideia de que aqui é casa de mordomia, boa vida. Ficaparecendo que estou fugindo da luta por interesse pessoal. Eu continuoolhando para o Senado, mas não posso fazer isso de costas para apopulação. E, quando a população diz que estou querendo abandonarBrasília, fica difícil.

Valor: O que vai pesar em sua decisão?

Cristovam: Primeiro, o ex-governador Joaquim Roriz não ser candidato. Se ele nãofor, não precisam de mim para ganhar eleição. Os candidatos querepresentam o passado estão tão enfraquecidos, salvo o Roriz, quequalquer um que a gente apresentar vence. E a renovação virá, que é oque o povo quer. O segundo fato que, se acontecer, me libera paradisputar o Senado, é as esquerdas se unirem. Se a gente fizer umafrente com oito, nove partidos, incluindo o PT, vamos ter forçasuficiente até para bater o Roriz. Acho que ele não vai ser candidato,mas só deve decidir isso lá para junho.

Valor: Essa aliança depende do PT?

Cristovam: No dia 21, o PT vai escolher um candidato (entre Agnelo Queiroz eGeraldo Magela, que disputarão prévias). Espero que saia unido e nooutro dia venha conversar conosco, com sete partidos que estãotrabalhando juntos (PDT, PSB, PCdoB, PPS, PV, PRB e PMDB).

Valor: Esses sete apoiariam o candidato do PT?

Cristovam: Nós vamos discutir isso, mas o PT é o mais forte. Eu, pessoalmente,defendo que seja do PT e unifique as forças de esquerda. Qual é o meumedo? Que o PT escolha o candidato e, para se unificar, se feche contraos outros partidos. Ou seja, forme uma chapa só deles: o que perder asprévias vai indicar o vice ou o candidato ao Senado. Isso nos dividirá.Por que, para ficarmos unidos, nós, desses sete partidos, queremos queos outros três cargos majoritários (vice e dois de senador) sejam dessegrupo. O PT seria apenas cabeça de chapa.

Valor: Por que o senhor acha que Roriz vai acabar não se candidatando?

Cristovam: Primeiro, porque vai se expor a um bombardeio da Justiça e da mídia.Além disso, seria governador pela quinta vez, em condições muitonegativas. Ele é um homem fortíssimo. Erra quem menospreza o Roriz. Masele está num partido sem tempo de televisão, sem militância na rua.Terá dificuldade de comprar cabo eleitoral. A Justiça vai estar deolho. O que ele poderia é ter voto de gratidão, de quem recebeu lote noprimeiro governo dele, que terminou em 94. Mas acho que essa gratidãonão vai pesar tanto, porque os que receberam já estão velhos e osfilhos não têm a mesma gratidão.

Valor: Então seu destino em outubro está nas mãos do PT e do ex-governador Roriz?

Cristovam: Se a esquerda se dividir e Roriz estiver na disputa, eu vou ter que sercandidato, porque pelo menos não vai ficar a marca de que o Rorizganhou sem eu brigar com ele. Ele pode até ganhar, mas ninguém vaipoder me acusar de virar as costas. Essa é minha tragédia hoje. Olharpara o Senado de costas para o povo.

Valor: O PMDB era aliado de Arruda. Com ele nesse grupo dos sete, dá para falar em união das esquerdas?

Cristovam: A palavra esquerda é realmente muito forte. Na verdade, é a união dasforças que desejam a mudança. Você pode dizer que o PMDB era o partidodo Roriz até pouco tempo. Mas o PMDB conseguiu tirar o Roriz dele. Eessa crise do Arruda, eu trabalho como sendo crise de pessoas, não departidos. Até o Democratas está se recuperando bem, na medida que tirouArruda, Paulo Octávio (ex-vice-governador) e deputados envolvidos.

Valor: Esse escândalo que levou Arruda para a cadeia atingiu também a Câmara Legislativa. A política aqui está contaminada?

Cristovam: Você já comparou nossa Câmara, com toda sua fragilidade - não estoudesculpando -, a todas as 5.563 Câmaras de Vereadores do Brasil parasaber se a nossa é pior?

Valor: O senhor está tratando-a como Câmara de Vereadores mesmo?

Cristovam: Assim como trato o governador como prefeito. Governador aqui é umprefeito. Quando fui governador, cheguei a discutir a possibilidade dea polícia ser comandada do Palácio do Planalto. Sabe por que? Por umaquestão de estadismo. Um dia, pode haver um governador, comandando aPM, com mais tropa que o exército em Brasília, que queira invadir opalácio. Essas mudanças têm que ser discutidas. Realmente, são duascoisas diferentes: a capital e a cidade. Brasília hoje é muito maiorque a capital. Brasília tem uma peculiaridade. Todo mundo que fazpolítica aqui entrou na política recentemente. Eu não conseguiria sereleito governador na primeira eleição que disputasse em nenhum outroEstado. Brasília ainda é um faroeste. Um lugar a ser desbravado. Emalgumas áreas evoluiu, como em medicina e na ciência e tecnologia. Napolítica, a gente chegou atrasada. Aqui não tinha líderes, até porqueos governantes eram nomeados. Eram interventores. Ficamos mais tempo dahistória sem direito a voto do que com voto. Temos existência pequena.Tivemos apenas quatro governadores e quatro Câmaras Legislativas atéaqui. A primeira não foi ruim. Mas o fisiologismo chegou lá também. Apolítica virou questão de marketing, compra.

Valor: O fato de ser a capital estimula a corrupção, o fisiologismo?

Cristovam: Não. É por ser nova, não ter tradição nem lideranças consolidadas. Aquinão teve um Miguel Arraes, um Leonel Brizola, um Antonio CarlosMagalhães, que levaram décadas para criar suas carreiras. Eu saí de umareitoria para ser governador. Eu me filiei só em 90. Isso é fruto dofato de a cidade ainda estar sendo desbravada em todas as áreas,inclusive na política.

Valor: O senhor acha que o escândalo atual vai forçar uma mudança, uma ruptura em relação à prática política de Brasília?

Cristovam: Essa é minha esperança: que Brasília, daqui a quatro anos, seja acidade com o melhor sistema governamental do ponto de vista ético. Nãoacredito que seja possível o eleitor repetir erros e que os governantescometam os erros que Arruda cometeu, mesmo que tenham vocação paracometer esses erros. Por uma questão de sobrevivência. Brasília vaipoder construir uma novidade na forma de administrar. Aliás, acho atéque na campanha. Espero não ser candidato a governador, mas, se for,penso em algumas inovações. Exemplo: divulgar todas as contribuiçõesimediatamente na internet e não receber contribuição para a campanhaacima de R$ 10 mil ou R$ 20 mil. Ao estabelecer um teto por doador vocênão fica com débito. Quando vier um empresário disputar uma licitaçãode R$ 500 milhões, não vai poder cobrar nada. Se doou R$ 200 mil jácomeça a querer cobrar. Coisas como essa podem inovar Brasília.

Valor: Uma intervenção federal não poderia ser uma solução para o momento em que nenhuma instituição é confiável?

Cristovam: A possibilidade de intervenção está na Constituição. Esse negócio dedizer que é a falência da democracia não é verdade. A intervenção se dádentro da democracia. Seria falência se fosse o comandante da PM queindicasse o governador ou um empresário rico. Mas não, é a justiça. Masminha opção é que o governador para esse final de mandato seja eleitopela Câmara Legislativa. Mas, para ter legitimidade, o eleito tem queter cara, cabeça, coração e mão de interventor. Isso é uma das coisasque também me fazem temer ser candidato. Eu queria chegar nessa idadecomo estadista. O próximo governador vai ser um xerife. A principalprioridade não vai ser a educação. Vai ser a ética. A grande tarefa éconstruir uma máquina exemplar de governo, em que mesmo ladrão nãoconsiga roubar e nem os desonestos possam ser corruptos. Essa vai ser aobrigação. Por isso não sou entusiasmado em ser candidato a governador.Não é o que eu gostaria de deixar como marca: construir um governoético. Queria deixar como marca a mudança na sociedade e não na máquinado governo. Repito: não gostaria de terminar a vida como xerife, queriaterminar como estadista.

Valor: Sua proposta significa uma intervenção legalizada pela Câmara.

Cristovam: É isso. E por que essa sutileza? Por que a intervenção não é um abalona democracia, mas é um abalo na classe política. É o fracasso dapolítica. E o fracasso da política é ruim pedagogicamente. A ideia quevai passar é que foi preciso a Justiça intervir, porque os líderesdaqui não foram capazes de encontrar uma saída. Falo da autonomia de 2milhões de habitantes. É uma população do porte de outros Estados. Agente vai cortar a autonomia do Acre, de Rondônia? Por que cortarautonomia da população do DF?

Valor: Mas essa Câmara, que tem entre seus deputados pessoas envolvidas noescândalo, tem condições de eleger uma pessoa com o perfil que o senhordefende?

Cristovam: Essa é uma pergunta que não dá para responder ainda. Ninguém dizia, háduas ou três semanas atrás, que eles iriam aceitar o processo deimpeachment do Arruda. E votaram por 17 a 0. E eu acho que vão cassar oArruda.

Valor: Há quem diga que ele pode apoiar um candidato em outubro. Acredita que ele ainda tenha alguma influência política no GDF?

Cristovam: Tem. A gente fala muito dos lotes. Mas esquece que, como Brasília éEstado e prefeitura, o número de cargos comissionados é muito grande.Acho que são 35 mil num total de 150 mil servidores, mais ou menos.Aqui o governador se fortalece dando aumento salarial e distribuindolotes. Um candidato apoiado por ele não teria chance de ganhar, masteria muitos votos.

-------------------------------------------------------------------------------- adicionada no sistema em: 15/03/2010 12:00