Título: Supremo descarta intervenção
Autor: Campos, Ana Maria
Fonte: Correio Braziliense, 01/07/2010, Cidades, p. 37

Por sete votos a um, os ministros do STF negaram o pedido feito pelo procurador-geral da República de interferência administrativa no Distrito Federal. Eles consideraram suficientes as medidas tomadas contra as denúncias de corrupção

Em sessão histórica, os ministros do Supremo Tribunal Federal analisaram o pedido de intervenção. O único a votar a favor foi Ayres Britto

Peluso (D), ao lado de Gurgel: ¿A ordem foi estabelecida de outro modo¿

Chegou ao fim a ameaça que deixou os políticos do Distrito Federal em estado de alerta nos últimos cinco meses. O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou improcedente, por sete votos a um, o pedido de intervenção federal apresentado pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, sob o fundamento de que as instituições da capital do país estariam totalmente contaminadas pela corrupção. Prevaleceu o entendimento de que a crise que abalou os Poderes com a Operação Caixa de Pandora foi debelada com um remédio menos amargo do que a interferência no Executivo e nos trabalhos da Câmara Legislativa. Esse foi o ponto de vista defendido pelo relator do caso, ministro Cezar Peluso, presidente do STF.

Peluso sustentou que a intervenção federal, medida extrema e excepcional, só deve ocorrer nos casos ¿taxativamente indicados como exceção na Constituição¿. Na avaliação do ministro, as ações do Ministério Público no sentido de afastar deputados distritais envolvidos nas denúncias de corrupção e de puni-los mostram que as instituições funcionam normalmente, sem necessidade de interferência. ¿Uma vez decretada, a intervenção funciona como espécie de camisa de força supressora por certo espaço de tempo. Se a ordem foi estabelecida por outro modo, não importa qual seja, a intervenção já não faz sentido nenhum¿, afirmou em seu voto.

A cassação da deputada Eurides Brito (PMDB) no plenário da Câmara Legislativa, a destituição de José Roberto Arruda do cargo por infidelidade partidária, a renúncia de Paulo Octávio, que era vice-governador, e a abertura de processo por quebra de decoro parlamentar contra cinco distritais citados na Caixa de Pandora também seriam demonstrações de avanços, segundo o relator. A posição de Peluso foi reforçada pelos ministros José Antônio Toffoli, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Marco Aurélio de Mello e Celso de Mello. ¿A intervenção seria um salto no escuro¿, afirmou Gilmar, que até abril era o relator do caso. Ele se referia a incertezas políticas que a medida provocaria, principalmente às vésperas das eleições.

O único voto divergente foi o de Carlos Ayres Britto. O ministro concordou com os argumentos levantados pelo procurador-geral. Gurgel disse que a capital do país vive uma ¿crise institucional absolutamente sem precedentes no mais bem documentado escândalo de corrupção do país¿. Por causa das investigações, Arruda passou 60 dias preso, Paulo Octávio renunciou ao cargo e o então presidente da Câmara, Leonardo Prudente, terceiro na linha sucessória, também teve de deixar o poder, sob risco de cassação. Gurgel sustenta que a eleição de Rogério Rosso (PMDB) como governador do DF não resolve o problema, uma vez que entre seus 13 eleitores há oito deputados distritais sob investigação de negociar apoio na Câmara. O colégio eleitoral para a escolha do novo governador formado justamente por investigados na crise que destituiu Arruda, para Gurgel, é pura ironia.

Improbidade O procurador-geral também ressaltou que nove desses parlamentares são alvo de uma ação de improbidade administrativa, proposta na semana passada pelo Núcleo de Combate às Organizações Criminosas (Ncoc) do Ministério Público local, por terem se hospedado em hotel cinco estrelas de Goiânia, com as despesas pagas por empresário do ramo da construção civil um dia antes da eleição do novo governador. Ayres Britto demonstrou total concordância com a posição do Ministério Público. Em seu voto, o único contrário ao relatório de Peluso, o ministro disse que o STF deveria considerar o caso do DF como um símbolo de combate à corrupção, por se tratar da capital da República. ¿O Distrito Federal padece de leucemia ética, democrática e cívica. O caso é de hecatombe institucional. Serve como luva encomendada à figura da intervenção¿, analisou Ayres Britto.

Desde a semana passada, Gurgel suspeitava de que não seria vitorioso na sessão de ontem. No Ministério Público Federal, a avaliação é de que o momento político não era o mais adequado para a análise dos ministros. Votos considerados importantes pela intervenção, como o de Joaquim Barbosa, seriam perdidos porque o ministro está de licença médica. Por conta disso, o procurador-geral pediu o adiamento do julgamento no início da sessão, sob o argumento de que o quorum baixo ¿ com três ministros a menos ¿ prejudicaria uma decisão. Peluso abriu a discussão, mas essa posição também foi vencida. Apenas Marco Aurélio de Mello e Celso de Mello foram favoráveis a transferir a discussão para agosto, depois do recesso parlamentar.

No fim do julgamento, Gurgel reconheceu que a intervenção é coisa do passado e disse que a hora agora é de se concentrar na conclusão do Inquérito nº 650 em curso no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que trata do suposto esquema de corrupção no DF. Ele explicou que aguarda o resultado de laudos da Polícia Federal sobre o material apreendido nas operações antes de começar a ajuizar as ações penais. A demora em apresentar as denúncias foi um dos argumentos suscitados por Marco Aurélio para rebater o pedido de intervenção. ¿Onde está o inquérito 650? Os fatos ainda sequer desaguaram na propositura da ação penal¿, levantou o ministro.

1 - Reação A maioria dos ministros do STF ressaltou o trabalho do procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Eles sustentaram que o pedido de interferência tirou os poderes da República de ¿uma situação de letargia institucional¿ e possibilitou a abertura de processo de impeachment contra José Roberto Arruda e de quebra de decoro contra deputados investigados na Operação Caixa de Pandora

Colaborou Diego Abreu

Barulho de fora

Enquanto o presidente do STF, Cezar Peluso, lia o voto do julgamento sobre a intervenção, oito manifestantes se reuniam do lado de fora do prédio para pedir o fim da autonomia política no DF. Eles chegaram às 14h30 com faixas e cartazes que diziam ¿Chega de corrupção, sim à intervenção.

Manifestantes do Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário e do Ministério Público da União no DF (Sindjus-DF) chegaram ao local por volta de 16h. Cerca de 100 pessoas deram uma volta no prédio do STF fazendo muito barulho com buzinas, cornetas e apitos. O movimento, motivado pelos grevistas do Judiciário, acabou envolvendo os que estavam lá para protestar pela intervenção. O buzinaço tomou conta do local e chegou a atrapalhar a votação. Quem estava no interior do prédio podia ouvir as famosas vuvuzelas.

O que eles disseram

¿Os fatos recentes não deixam dúvidas de que a metástase da corrupção foi controlada por outros mecanismos, revelando agora a desnecessidade de se recorrer ao antídoto extremo da intervenção.¿ Cezar Peluso, presidente do STF e relator do processo

¿Verificamos que medidas saneadoras foram apresentadas em casos concretos. Teríamos a primeira intervenção depois da Carta de 1988 com repercussão nefasta, tumultuando as eleições com extensão inimaginável.¿ Marco Aurélio de Mello, ministro do STF

¿Ao indeferir o pedido de intervenção, o STF reconhece a solidez das instituições que compõem o plexo administrativo e jurídico do DF e o esforço da sociedade e dos agentes públicos atuais para restabelecer a normalidade institucional de Brasília.¿ Francisco Caputo, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil-DF

VISÃO DO CORREIO Vitória da sensatez

Merece aplauso a decisão do Supremo Tribunal Federal contra a intervenção na capital da República. O bom senso imperou na sessão de ontem quando, por 7 X1, respeitou-se a autonomia política do DF. Em harmonia com os princípios da Carta Magna, a Lei Orgânica estabelece as regras do processo sucessório no caso de vacância do cargo de chefe do Executivo. A solução constitucional assegurou a governabilidade.

O Correio Braziliense, desde o primeiro momento da crise, defendeu a alternativa democrática como a melhor para a cidade. Acertou. Apesar da gravidade dos fatos, a ordem pública foi mantida sem traumas. A população retomou a rotina, o Estado funciona, as eleições seguem o curso previsto na lei. Brasília soube encontrar a saída que lhe preservou a soberania duramente conquistada. Sai da tormenta mais madura, mais forte e mais confiante nas instituições.

Prudente renova passaporte

Rafael Ohana/CB/D.A Press

O ex-presidente da Câmara Legislativa do DF, Leonardo Prudente (sem partido), esteve no início da tarde de ontem na central de atendimento da Polícia Federal do posto Na Hora de Taguatinga. Ele disse que foi ao local para renovar o passaporte da filha, de 4 anos. Acompanhado da criança e da mulher, o ex-deputado distrital disse ainda que não tem viagem marcada. Um dos investigados pela Polícia Federal na Operação Caixa de Pandora, Prudente renunciou ao cargo de distrital em 26 de fevereiro deste ano. Ele aparece em um vídeo, anexado ao inquérito da operação, recebendo dinheiro de Durval Barbosa. Nas imagens, ele guarda dinheiro até mesmo na meia.