Título: A política monetária refém do regime de metas. O que fazer?
Autor: Troster, Roberto Luis
Fonte: Valor Econômico, 08/12/2010, Opinião, p. A14

O patamar das taxas de juros é o problema que preocupa cada vez mais a empresários e formuladores da política econômica. Piora a situação dos que devem, drena recursos do setor produtivo, aumenta a dívida pública e inibe o consumo e o investimento. Empobrece o país. A justificativa para sua manutenção é que a alternativa, uma inflação maior, é pior.

No Brasil, o impacto é agravado pelo elevado diferencial de taxas com o exterior, que atrai recursos especulativos. Por um lado, transfere impostos pagos por residentes para estrangeiros detentores de aplicações internas; e, por outro, valoriza o Real com efeito devastador em empresas locais.

Hoje é dia de Copom e sua missão é inglória. A prescrição para um quadro conjuntural como o atual, com indicadores de preços em alta, níveis de atividade elevando-se e com expectativas de inflação para este ano, o próximo e o outro acima da meta é inequívoca: subir a taxa. O Banco Central já está atrasado com relação à elevação dos juros e, quanto mais tardar, mais alto e mais demorado será o aperto. A política monetária está refém do regime de metas e não deve arranhar a credibilidade duramente conseguida. A obrigação é uma tarefa amarga para as autoridades.

A taxa de juros básica no Brasil está em 10,75% ao ano, uma das mais altas do mundo; e, se descontada a inflação, a maior de todas. Está empurrando a economia para uma armadilha. A explicação usada para descrever a pressão inflacionária é que a dinâmica fiscal pressiona os preços e obriga o Banco Central ao arrocho monetário. É fato. Todavia, no resto do mundo seu impacto nos juros é expressivamente menor. Ilustrando o ponto, a Colômbia e o México têm uma relação dívida pública/PIB próxima à brasileira, todavia os juros são uma fração dos observados aqui. Há mais exemplos.

Obviamente, cada caso é um caso, mas o que tem que ser lamentado, e corrigido, é que as taxas são absurdamente mais altas no Brasil que em outros países. Um absurdo. A razão mais forte de um patamar tão elevado é a persistência no uso de um modelo falido sem atentar para outras causas de taxas altas. Não se leva em consideração que os mecanismos de propagação dos juros aqui são deficientes e que o uso de compulsórios tem efeitos perversos; há miopia na condução das medidas.

Os canais de transmissão da política monetária que propagam o impacto da taxa Selic nas demais variáveis econômicas estão obstruídos. Do lado dos ativos dos agentes, como parte da dívida é pós-fixada, a cada aumento da taxa, há um efeito renda positivo, em vez de negativo, no consumo dos agentes. Entretanto, é no lado do passivo, no canal dos financiamentos, que o efeito da alta de juros é demasiadamente fraco.

O mercado de crédito no Brasil tem três segmentos. Um é o tabelado, que inclui os recursos do BNDES, o crédito rural, parte do habitacional e quase todo o consignado de funcionários públicos e aposentados. Esse segmento não é afetado pela taxa básica do governo. Outra porção é o concedido no cartão de crédito que, apesar de ter mais detentores que contas correntes em bancos, não tem compulsório, nem alocação de capital e suas taxas e composição não são divulgados pelo Banco Central. Nesse segmento, os juros cobrados são mais de dez vezes superiores à Selic, portanto, quase não sofre influência da política monetária. O terceiro segmento é o restante do crédito, que em razão dos compulsórios, falta de precificação transparente e tributação abafa a difusão de alterações de juros nos preços.

Tornar o mercado de crédito mais competitivo é pré-requisito para uma transmissão de política monetária mais eficiente. Isso demanda fazer com que todas as operações tenham taxas ajustadas ao risco conhecidas por instituição, por tipo de operação e classe de risco, que os financiamentos direcionados e tabelados variem como uma proporção da Selic, e não uma taxa fixa, e que os vazamentos sejam estancados.

O uso dos recolhimentos compulsórios é outro mecanismo anacrônico. Já foi eliminado em quase todo o mundo. Sua elevação tira liquidez do mercado interno. Fazendo, por um lado, com que bancos pequenos e médios reduzam suas operações e induzam seus tomadores de financiamentos ao mercado de cartões de crédito e, por outro, motivando grandes instituições a captar no exterior para atender a demanda de empréstimos no país. É uma medida que diminui a concorrência no mercado, agrava o problema de valorização do real e tem um efeito pífio na inflação. Tem que ser eliminado.

A maior falha do atual modelo é a miopia e a monotonia. Olha-se apenas para a taxa a ser anunciada ao final da reunião de hoje, onde a importância de uma alta ou redução é pequena numa perspectiva de longo prazo. A autoridade monetária não determina taxa de juros de equilíbrio, apenas fixa a Selic num patamar consistente com a meta de inflação, que é resultado da eficiência dos mecanismos de transmissão, da dinâmica fiscal, do quadro institucional e das demais condições estruturais da economia. No curto prazo, hoje, a opção é clara, subir. A questão relevante é focar nas condições de longo prazo e em reduzir o custo do dinheiro definitivamente para um patamar compatível com a ambição de futuro do país.

As vantagens de baixar os juros com inflação menor são indiscutíveis. A agenda para tanto é extensa e inclui, além dos fatores mencionados acima, o ajuste fiscal, reformas institucionais, uma política de crédito de longo prazo, investimentos em infra-estrutura e medidas para gerar ganhos de produtividade para a economia brasileira. Há um déficit de ginga e de ambição na política econômica.

Roberto Luis Troster doutor em economia pela USP, ex economista chefe da Febraban, da ABBC e do Banco Itamarati