Título: Analistas já veem real não tão forte em 2011
Autor: Lucchesi,Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 27/12/2010, Finanças, p. C2

Por dentro do mercado

Já não são poucos os analistas que acreditam que o real vai se depreciar em termos nominais em 2011. A própria mediana das expectativas do mercado, segundo o último boletim "Focus" do Banco Central, aponta desvalorização da moeda brasileira, com o dólar indo a R$ 1,75, na comparação com o R$ 1,689 do dia 24 último.

Daniel Tenengauzer, chefe de estratégia de renda fixa e câmbio para mercado emergentes do Bank of America Merrill Lynch, acredita que o dólar vai terminar o ano que vem perto de R$ 1,80, uma valorização de cerca de 6,6%. Isso já contando com um aumento de 1,50 ponto percentual nas taxas de juros básicos Selic.

Uma das principais razões, na sua visão, é o aumento para 6% no Imposto sobre Operações Financeiras sobre o câmbio na entrada para investimentos de renda fixa e depósitos de garantia na BM&F. "O custo de colocar dinheiro no país ficou alto demais e parece que os ingressos de novos recursos para este fim estão congelados até segunda ordem."

Dezembro deve ter saída de dólares para renda fixa

Na visão de Tenengauzer, o mundo continuará com liquidez disponível e os países emergentes vão receber esses recursos de sobra no mercado. Ele vê alta de 1,5% a 2% nas moedas dos países emergentes, com destaque para a Ásia, com valorizações de 3% a 3,5%. "Os investidores vão procurar mercados mais amigáveis do que o brasileiro no que diz respeito a regras de conversibilidade e impostos na entrada", diz.

Tenengauzer prevê queda nos investimentos de portfólio ao Brasil no ano que vem. Estima um aumento no déficit em conta corrente para 3,1% do Produto Interno Bruto no final de 2011 e para 3,7% do PIB no final de 2012, na comparação com os 2,4% dos 12 meses terminados em novembro. Esse déficit será plenamente financiável com o ingresso de investimento externo direto e para ações. Mas a participação da renda fixa deve cair, inclusive por causa de um agravamento da crise de dívida pública na Europa e de seu impacto nos bancos, investidores e crescimento econômico em toda a região do euro.

O Bank of America Merrill Lynch não tem como cenário mais provável a moratória de algum país europeu, mas trabalha com uma perda de valor importante do euro perante o dólar. Atualmente, o valor de euro tem variado de US$ 1,30 até US$ 1,31. Tenengauzer trabalha com a moeda europeia valendo US$ 1,20 no final do ano que vem, uma desvalorização de quase 8%. "Se o real se desvalorizar pouco frente ao dólar, os produtos brasileiros serão menos competitivos na Europa, o que ajuda a conter o crescimento econômico brasileiro via contenção das exportações."

O simples temor de novos aumentos de impostos e mudanças de regras tem mantido o investidor de renda fixa afastado e pode atrapalhar uma valorização do real em 2011. Para Darwin Dib, economista do Itaú, "a percepção da eficácia do IOF como instrumento de contenção de liquidez no mercado cambial pode estimular novas medidas do governo em uma possível conjuntura de apreciação do real". Dib lembra que em novembro houve "expressiva redução do investimento estrangeiro no mercado de renda fixa local" - o fluxo líquido foi zero. Até então, o fluxo mensal médio de entrada era de US$ 1,5 bilhão e, nos três meses precedentes, US$ 1,9 bilhão.

Ele nota que o BC espera que 2010 termine com US$ 13,6 bilhões de fluxo líquido de entrada para o mercado de renda fixa. Mas o acumulado no ano até novembro é de US$ 14,8 bilhões. Conclui-se, portanto, que a estimativa oficial para dezembro é de saída de US$ 1,2 bilhão. "É verdade que este recuo do investidor estrangeiro no mercado local de capitais em novembro e, possivelmente, em dezembro também reflete a exaustão do rali gerado pela propensão a risco estimulada pelas expectativas em torno do relaxamento quantitativo do Fed (banco central americano)."

Há também o agravamento da crise na Europa em novembro e dezembro e as tradicionais necessidades de caixa de final de ano dos investidores externos. As próprias incertezas sobre a atuação do novo time do Banco Central e da equipe econômica e sobre a sua capacidade de controlar a inflação pesam. "Porém, a forte retração do fluxo especificamente destinado ao mercado local de renda fixa deixa pouca margem para a dúvida de que as medidas administrativas, aliadas à retórica oficial, estão de fato secando o fluxo de investimento estrangeiro para o nosso mercado local de renda fixa", diz Dib.

Especialista lembra que o Brasil vai desacelerar seu crescimento em 2010, de 7,5% ao ano neste ano para algo em torno de 4,5% ao ano em 2011. Enquanto isso, os EUA terão um crescimento em aceleração, embora lento. Isso pode atrair fluxo de recursos para os mercados americanos.

Cristiane Lucchesi é repórter especial