Título: O Euro não fracassou
Autor: Loyola, Gustavo
Fonte: Valor Econômico, 03/01/2011, Opinião, p. A19

A volta às moedas nacionais tem custos políticos, econômicos e sociais mais altos que as reformas necessárias

Acrise econômica que atinge a região do Euro tem levado muitos analistas a antecipar o desaparecimento daquela união monetária. Alguns vão mais longe, chegando mesmo a recomendar o abandono da moeda única pelos países mais duramente atingidos pela crise, como forma de facilitar a retomada do crescimento. Contudo, a despeito das dificuldades atuais, entendo que o Euro está longe de ser uma experiência fracassada. O que falta à maioria dos países europeus ocidentais são reformas estruturais que, com o Euro ou sem ele, são indispensáveis ao crescimento econômico sustentado da região.

No debate que antecedeu a adoção da moeda única, alguns economistas mantiveram a opinião de que a Europa ocidental não formava uma área monetária ótima e que o sucesso de uma união monetária seria duvidoso. Argumentava-se especialmente que não havia mobilidade suficiente do fator trabalho entre os países europeus e que faltava previsão para o estabelecimento de um robusto mecanismo intrarregional de transferências fiscais para países de menor renda ou afetados por crises locais.

Porém, corretamente, o fato de não existir uma área monetária ótima, nas condições enumeradas por Mundell, não se constituiu num obstáculo à introdução do Euro. Sob o ponto de vista histórico, a moeda única deve ser vista como consequência natural do processo de integração europeia do pós-guerra, sendo impróprio considerar o Euro apenas como um mero experimento monetário.

Sob o ponto de vista econômico, vale a pena ressaltar que há várias experiências passadas e presentes de áreas monetárias sub-ótimas sob uma mesma moeda, sem que isso se constitua necessariamente num grande obstáculo. Os EUA, para muitos autores, não formam uma área monetária ótima no sentido mundelliano e nem por isso sua economia deixou de ser a mais pujante dos últimos dois séculos.

Ademais, desde o início, a introdução do Euro foi vista como o caminho mais rápido para a convergência da economia europeia para uma área monetária ótima, o que ocorreria com o tempo à medida que maturassem as reformas institucionais que seriam realizadas pelos países que aderissem à união monetária. Ou seja, a questão nunca foi a de esperar a existência de uma área monetária ótima na Europa para a criação da moeda única, mas, ao contrário, a intenção foi mais a de criar as condições para que a região se aproximasse o mais possível daquela situação.

Na realidade, a crise atual que particularmente atinge os países da "franja" do Euro - Grécia, Irlanda e Portugal - não significa que a decisão de introduzir o Euro tenha sido equivocada e nem que a Europa tenha dado um passo maior do que as suas pernas. Os problemas da zona do Euro se devem, isso sim, à não introdução das reformas necessárias na maioria dos países integrantes da união monetária, assim como à não criação de mecanismos institucionais a nível comunitário, principalmente de cunho fiscal e regulatório, com vistas a facilitar a convivência com a moeda única.

Nesse momento, os países da zona do Euro se defrontam, individual e coletivamente, com uma das seguintes opções: ou aprofundam para valer o processo de integração monetária ou dão marcha-a-ré e voltam às suas moedas nacionais, enterrando de vez a ideia da moeda única. Este segundo caminho, a meu ver, tem custos políticos, econômicos e sociais, no médio e longo prazos, muito maiores do que a opção pela realização de reformas domésticas e a nível comunitário, visando o fortalecimento da economia da região.

Ocorre que os analistas que defendem ou entendem inevitável o abandono do Euro pelos países atingidos pela crise, ou mesmo por uma Alemanha pouco disposta a salvar os países fiscalmente "transgressores", geralmente superestimam os eventuais benefícios dessas decisões no curto prazo, fazendo tabula rasa das consequências negativas de médio e longo prazos. Para países que se defrontam com uma crise fiscal aguda como a Grécia, a solução mais apropriada (embora não trivial) seria a renegociação de sua dívida pública, com algum "haircut" a ser absorvido por seus credores, combinado com um programa fiscal de austeridade nos próximos anos e algum auxílio financeiro externo.

O abandono do Euro apenas acrescentaria problemas novos, sem resolver as dificuldades econômicas desses países. Há várias experiências (inclusive muitas aqui no Brasil) de substituição de uma moeda fraca por uma moeda mais forte, pelo menos em termos das expectativas dos agentes. O contrário é muito mais complicado, pois o anúncio de que uma moeda fraca (por exemplo, o dracma) viria ocupar o lugar do Euro poderia gerar movimentos especulativos antecipatórios fortemente desestabilizadores.

Desse modo, ao lado das medidas domésticas de cunho fiscal e da renegociação da dívida quando necessário, o caminho menos traumático e mais adequado para a retomada do crescimento está no fortalecimento dos mecanismos fiscais e regulatórios comunitários, inclusive no que diz respeito ao "enforcement" da disciplina fiscal dos membros, ao mesmo tempo em que cada país deveria seguir o exemplo alemão e realizar as reformas estruturais com vistas a elevar a produtividade e a competitividade de suas economias.

Gustavo Loyola , doutor em Economia pela EPGE/FGV, ex-presidente do BC, é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo. Escreve toda primeira segunda-feira do mês.