Título: Que futuro querem os Brics?
Autor: Troyjo, Marcos
Fonte: Correio Braziliense, 27/07/2010, Opinião, p. 21

Doutor em sociologia das relações internacionais pela USP, é professor convidado do Centro de Estudos sobre o Atual e o Quotidiano da Universidade Paris V (Sorbonne) e CEO da Wisekey no Brasil (troyjo@post.harvard.edu)

Os Brics (conjunto que congrega Brasil, Rússia, Índia e China) são um conceito em construção. O sucesso de cada país no século 21 resultará de quatro perguntas que candidatos a potência internacional têm de responder: 1. Qual é seu projeto nacional? 2. Como perseguirá seus objetivos num mundo interdependente e conflituoso? 3. Como está se preparando para a economia digital do conhecimento? 4. Que sacrifícios está disposto a fazer?

Se o grupo almejar maior influência nas relações internacionais, dependerá daquilo que alcançarem em termos de: 1. Tornar-se mais do que nações que compartilham dimensões geográficas e estatísticas semelhantes grande território, população, economia e amplo potencial para papéis construtivos ou fragmentários na geopolítica e na economia global; 2. Articular interesses e o entendimento de como o mundo deve funcionar; e 3. Estabelecer instâncias regulares e formais que congreguem líderes empresariais, porta-vozes da sociedade civil e autoridades governamentais na formulação de agendas comuns.

Antes mesmo de analisar as motivações individuais de cada integrante da sigla, cabe lembrar o que os Brics não são até agora uma organização internacional ou um bloco de livre-comércio. Nem tampouco plataforma para consensos em direitos humanos, meio ambiente, segurança internacional, atuação conjunta nas Nações Unidas (ONU) ou na Organização Mundial do Comércio (OMC) etc. Os Brics têm de saber o que querem para seus países, para suas elites, o que querem do mundo e para o mundo. Portanto, é preciso questionar se possuem projetos de poder, de prosperidade e de prestígio.

A China deseja ser rica e daí ponderosa. Ela tem projeto de prosperidade em vigor há mais de 30 anos. Isso contribui para o incremento de seu prestígio e poder. Sua performance em direitos humanos, meio ambiente etc. é das mais sofríveis. A China continuará a ser a planta industrial do mundo nos próximos anos. O investimento na China será motivado pela criação de infraestrutura local voltada ao comércio em terceiros países, ao passo que os mercados financeiros chineses continuarão incipientes ainda por décadas.

A Índia deseja ser ponderosa e daí ter prestígio. O diferencial competitivo tem vindo da baixa remuneração do fator trabalho (salários) em determinados setores (têxteis, call centers, tecnologias da informação). Não possui nenhum projeto articulado de prosperidade. O investimento continuará a vir de empresas que desejam reduzir seus custos mediante a outsourcing de suas operações. O investimento será vigoroso em áreas de valor agregado, como a indústria química, software e outros segmentos relacionados às tecnologias da informação (TIs), mas em escala insuficiente para boom que perpasse toda a estrutura socioeconômica de castas. Ademais, os mercados de capitais ainda são irrelevantes.

A Rússia quer poder, prosperidade e prestígio, mas não sabe como chegar lá. Às vezes, ainda fala como se fosse superpotência. A população de cientistas é imensa. A europeização da Rússia representará conflito e cooperação com países de seu entorno. No instante em que a economia europeia estiver reequilibrada, o investimento fluirá fortemente na Rússia, pois é a última fronteira da Europa. A credibilidade do mercado de capitais e das instituições é bastante frágil e vai demorar a tornar-se sólida.

O Brasil, por fim, não tem projeto de poder ou prosperidade. Sua ideia de prestígio está entrelaçada com o fortalecimento da ONU e da Comunidade Sul-Americana de Nações, bem como a cooperação Sul-Sul, mas com pouca margem para além das boas intenções e relações equilibradas. Tentativas de construir relações estratégicas, com a China ou a França, são unilaterais na maioria das vezes. A nova posição do Brasil nas relações internacionais virá de êxitos em setores específicos (agroenergia, mineração, aviões, conglomerados bancários gigantes e efeitos multiplicadores para a indústria de serviços do investimento em infraestrutura). E, em grande medida, pelo novo status de potência petrolífera viabilizado pelas descobertas do pré-sal. Eis a grande janela de oportunidade, associada à economia da criatividade, para o Brasil inserir-se de forma definitiva no quadro das nações mais dinâmicas, prósperas e influentes do século 21.