Título: G-20 agora se atrapalha em discussões óbvias
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Fonte: Valor Econômico, 23/02/2011, Opinião, p. A14

Na medida em que arrefece a intensidade da crise internacional e o crescimento econômico mundial começa a ganhar fôlego, diminui a propensão dos países de discutir a redução dos graves desequilíbrios globais. A mudança de disposição foi sensível na reunião de novembro do G-20, grupo das 19 economias mais relevantes mais a União Europeia, em Seul, e ficou patente no encontro deste fim de semana, realizado em Paris.

Foi uma das reuniões mais pífias dos últimos anos e seu maior feito foi definir os indicadores que serão usados para avaliar se um país está contribuindo para os desequilíbrios globais e, assim, reduzir as crises. Não haverá imposição de exigências aos países com indicadores ruins, mas apenas recomendações para melhorar o desempenho.

Temas relevantes ficaram fora da mesa. Um deles é a regulamentação do mercado de commodities, cujos preços vêm subindo em função de problemas climáticos, aumento da demanda e especulação financeira, pressionando a inflação em vários países e causando instabilidade social. Produtores de commodities como o Brasil rejeitaram a proposta francesa, nunca bem definida, e que deixava a porta aberta para controles arbitrários de preços. O debate evoluiu para o controle da especulação com commodities no mercado financeiro, mas nem mesmo a negociação dessa faceta relevante do problema prosperou.

Outra questão importante em suspenso pelo menos desde Seul é a dos fluxos internacionais de capitais, que estão causando a apreciação de moedas de países emergentes como o Brasil. É a guerra cambial, como chamou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, que pode se transformar em guerra comercial, com graves desequilíbrios na balança comercial dos países.

Nicolas Sarkozy, presidente da França e presidente rotativo do G-20 neste ano, chegou a encampar a bandeira da regulação dos fluxos internacionais de capital e apresentou várias propostas, da criação de uma taxa sobre esse dinheiro à reformulação do sistema monetário internacional. Sarkozy até propôs a criação de um novo Bretton Woods, em uma referência ao acordo de 1944, quando as diferentes moedas tiveram o valor fixado em relação ao dólar que, por sua vez, foi indexado ao ouro. Esse acordo prevaleceu até 1971, quando a conversibilidade do dólar em ouro foi rompida unilateralmente pelos Estados Unidos.

O presidente francês foi, porém, abrindo mão paulatinamente de suas metas ambiciosas e contentou-se em limitar a discussão à questão dos indicadores de desequilíbrios. Esse debate é aparentemente inútil, uma vez que o Fundo Monetário Internacional (FMI) já acompanha a economia dos países membros - aliás, desde sua criação, também em Bretton Woods -, pode fornecer qualquer número que o G-20 desejar e tem uma metodologia desenvolvida para avaliar os desequilíbrios econômicos.

Ainda assim a discussão foi acirrada e foi difícil fechar um acordo. A muito custo foi definido um grupo de indicadores que sinalizarão quais países contribuem para o desequilíbrio global. Caberá ao FMI acompanhar e avaliar esses indicadores, papel que aliás ele já exerce.

Os indicadores finalmente definidos foram poupança e dívida privada; dívida pública e déficit fiscal; balança comercial, fluxo de investimentos líquidos e remessas. Foram os indicadores da área externa que previsivelmente suscitaram maior discussão. As economias avançadas queriam incluir os resultados em conta corrente. O secretário do Tesouro dos EUA, Timothy Geithner, tentou emplacar limites para os superávits e déficits em conta corrente de 4% em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Mas a China e a Alemanha, que ostentam os maiores superávits comerciais do planeta, rejeitaram a fixação de limites.

Outro indicador combatido pelos emergentes foi o nível de reservas internacionais. Nada indica que os mercados emergentes estejam dispostos a abandonar a política de acumulação de reservas que os salvou na crise internacional, apesar dos custos fiscais. A oposição é liderada pela China, com perto de US$ 3 trilhões em reservas internacionais, mas também conta com o Brasil, com 10% disso.

Apesar de empenhado em diminuir os desequilíbrios globais, o G-20 parece ter suas discussões cada vez mais polarizadas entre os mercados emergentes e economias avançadas.