Título: Orgia com dinheiro público afronta a LRF
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Fonte: Correio Braziliense, 01/08/2010, Opinião, p. 18

Visão do Correio

A indignação dos brasilienses ante os recentes escândalos que expuseram a conduta ilegal e corrupta da maioria da Câmara Legislativa (CL) não despertou nenhuma reação moral da Casa. Os maus costumes políticos permanecem como rotina na atividade parlamentar. É como se a instituição não fosse mais que um pote de ouro para apropriação pessoal e distribuição a amigos e apaniguados. Não há como qualificar de outra forma a violação aos limites de gastos estabelecidos em lei, sobretudo quando a ilegalidade é praticada para atender a fins eleitorais.

Os números do Relatório de Gestão do Poder Legislativo referente ao último quadrimestre atestam grave infração às normas em vigor. No período, os deputados poderiam lançar mão de até R$ 177 milhões para cobertura de despesas com pessoal, justo o teto calculado conforme manda a legislação. Mas sacaram R$ 181,1 milhões, isto é, R$ 4,1 milhões acima do valor permitido. Mas há explicação para tamanho desprezo ao balizamento imposto pelo regime jurídico à administração. De fevereiro até 29 de julho, os membros da CL contrataram 591 pessoas indicadas por políticos e cabos eleitorais.

Os atos e os dispêndios afrontaram dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O estatuto normativo exige transparência e planejamento para a execução de decisões administrativas. Não podem elas ser adotadas pela avaliação unilateral do administrador. Além de tudo, a admissão de servidores à margem de concurso público só se justifica para suprir vagas nos setores de saúde, educação e segurança pública, considerados essenciais. Mas a condição dos admitidos é a de substitutos eventuais, demissíveis quando cessa a conveniência, observada, todavia, a existência de recursos compatíveis com as limitações da LRF.

A aplicação das disponibilidades financeiras para pagamento de recursos humanos deve obedecer a percentuais rígidos. A LRF ordena que as assembleias estaduais e a CL do DF têm à disposição apenas 3%, no máximo, da Receita Corrente Líquida, que é a arrecadação do governo em um ano. Aqui, contudo, o Tribunal de Contas do DF (TCDF) faz parte do Poder Legislativo. Daí por que, em razão de acordo entre as partes, cabe à CL 1,7% e ao TCDF 1,3%. Embora desde junho a situação seja crítica, com elevação do índice para 1,74%, as admissões de cabos eleitorais não foram interrompidas.

Aí estão motivos mais que justificáveis para considerar oportuna a decisão do Sindicato dos Servidores da Câmara e do Tribunal de Contas de requerer, em ação judicial, a demissão dos 591 apadrinhados. Não basta, todavia. A LRF prevê a responsabilização civil e criminal dos gestores que a infringem. Se a normalidade não voltar com a maior urgência, o governo do DF ficará impedido de celebrar convênios com a União e entidades internacionais para obtenção de créditos. É o caso de o Ministério Público provocar o Judiciário para punir os infratores.