Título: Perversidades monetárias
Autor: Troster, Roberto Luis
Fonte: Valor Econômico, 20/04/2011, Opinião, p. A14

Hoje, o Comitê de Política Monetária (Copom) deverá subir os juros básicos em meio ponto percentual. Com isso, ampliará a transferência de renda de devedores a credores, agravará a dinâmica fiscal e induzirá a uma valorização maior do real com impactos adversos na indústria nacional. É uma decisão amarga, mas, se não for tomada, o resultado será pior ainda.

Este ano, os índices de preços e as expectativas de inflação subiram consideravelmente, as taxas de juros internas para todos os prazos aumentaram e a potência da política monetária, que já era fraca, diminuiu ainda mais; agora, é necessário a Selic num patamar mais elevado para obter o mesmo impacto no controle da inflação. O Brasil tem um dos juros mais altos do mundo e é obrigado a subi-los ainda mais. Por quê?

Lembrando, a autoridade monetária sobe a taxa básica para diminuir a demanda de crédito e reduzir o incentivo ao consumo. Entretanto, há perversidades que atuam em sentido oposto e anulam parte expressiva de seu efeito de alta. As mais críticas são o tabelamento, a indexação, estrutura de controle de crédito, a protelação e a omissão, esta última é a mais grave de todas. São responsáveis pelo fato de a taxa básica aqui ser a tripla da observada em outros países com indicadores macroeconômicos semelhantes.

O tabelamento de juros faz com que a cada alta da taxa, a demanda de crédito aumente em vez de diminuir. A Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) está fixada em 6% ao ano desde 2009. A cada alta dos juros básicos, aumenta o diferencial em relação à TJLP, tornando mais rentável tomar financiamentos no BNDES e aplicar recursos próprios disponíveis no mercado financeiro, recebendo a taxa CDI, que é praticamente a mesma que a Selic. A diferença entre a Selic e a TJLP está em 5,75% e vai aumentar hoje.

O gradualismo e a demora no controle da inflação são onerosos. Aumentam o risco de um choque

Outra perversidade é a indexação das aplicações financeiras. A maioria das captações no mercado financeiro é feita com ativos atrelados ao CDI. A cada elevação da taxa de juros, os detentores dessas aplicações têm ganho de renda, e não perda, como seria o caso se fossem em títulos prefixados. Isso causa um aumento na sua riqueza e consequentemente um estímulo maior, e não menor, a consumir.

A estrutura de controle de crédito é dissonante. Controla-se a expansão de financiamentos de veículos com alocações maiores de capital, afetando bancos pequenos, todavia a evolução dos preços dos bens duráveis, onde estão incluídos automóveis, foi de apenas 0,52% nos últimos doze meses; por outro lado, os preços dos serviços, influenciado pelo emprego, aumentaram 8,53%, no mesmo período, e não há restrições adicionais ao crédito para grandes empresas.

A oferta de crédito apresenta uma baixa sensibilidade à taxa básica de juros e não reflete o risco de operações. O aperto de liquidez fez com que a composição do crédito deteriorasse. Ilustrando o ponto, este ano, o volume de financiamentos da conta garantida que tem uma taxa média de 101,2% ao ano se expandiu 7,2% enquanto todo o crédito pessoa jurídica aumentou apenas 1,8%. O cheque especial que custa 167,4% cresceu 15,9%, ao passo que o volume total para pessoa física só se elevou 4,7%. São distorções com um custo social alto e sem paralelos em outros países.

Atualmente, 11,7% dos empréstimos pessoais têm pelo menos 15 dias de atraso e esse número vai aumentar. Não faz sentido. O custo social de reduzir a inflação é exageradamente injusto. Se nada for feito, o crédito que foi um dos propulsores do crescimento, no governo anterior, pode tornar-se um freio neste. É algo que não interessa nem a bancos, nem a tomadores de crédito e, menos ainda, ao país.

O ponto é que a estrutura de oferta de crédito apresenta uma série de distorções que fazem com que seja pouco sensível a variações da taxa básica de juros, obrigando a autoridade monetária a praticar patamares mais elevados da Selic.

Outro tema é que, em política econômica, "quando" é tão importante como "o que". A protelação do aperto monetário está cobrando seu preço. Houve um deslocamento da curva de juros para cima e um aumento da taxa real em pelo menos um ponto percentual. O gradualismo e a demora no controle da inflação são onerosos. Aumentam o risco de um choque e o custo do ajuste, exigindo juros mais altos mais tempo.

A quinta perversidade, e a mais grave, é a omissão. O país não tem uma agenda conhecida sobre a contribuição do sistema financeiro e a política monetária. É inconcebível que o Brasil apresente a quinta melhor regulamentação para derivativos, a segunda pior margem (spread) de financiamentos do planeta e tenha que elevar uma das taxas básicas mais altas. É hora de mudanças.

Vive-se um momento bom com vendas em expansão, desemprego baixo, inclusão social e a formalização maior da economia. Todavia, observa-se uma deterioração de alguns indicadores. Em apenas três meses as projeções de crescimento do PIB industrial para 2011 já caíram mais de 1% e as pressões de inflação aumentaram bastante.

Não é um quadro que alarme se não fosse um detalhe, a taxa de juros está alta e, mesmo com o aumento de hoje, pode não dar conta do recado. Além das distorções acima, há outras conjunturais, como a defasagem no preço da gasolina, a pressão por reajustes salariais e a maior vulnerabilidade a choques de preços; além de outras estruturais, como a insegurança jurídica, a dinâmica fiscal, a cunha financeira e a política cambial. É imperativo atuar, a atual política não está atendendo aos interesses do país.

O que fazer? Hoje: subir a taxa meio ponto. É duro, mas é necessário para reverter as expectativas. Mais importante é começar a construir uma agenda para o sistema financeiro nacional e a política monetária. Tiveram seus méritos em proteger a poupança pública e evitar a dolarização na época da inflação alta. Todavia, agora são outros tempos, portanto, outros ventos. Baixar os juros de forma consistente significa corrigir as distorções acima e assim atender aos melhores interesses do Brasil.

Roberto Luis Troster, consultor, é doutor em economia pela USP. Foi economista chefe da Febraban, da ABBC, do Banco Itamarati e professor da PUC-SP, USP e Mackenzie.