Título: UE faz proposta de acordos setoriais para trazer EUA de volta a Doha
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 29/04/2011, Brasil, p. A2

A União Europeia (UE) apresentou ontem uma proposta na área industrial para tentar romper o impasse entre os Estados Unidos e emergentes na combalida Rodada Doha, mas com chances mínimas de evitar o fiasco da negociação global de liberalização.

Bruxelas resolveu agir na véspera de o diretor-geral da Organização Mundial de Comércio (OMC), Pascal Lamy, reafirmar hoje aos países que as divergências na Rodada são insuperáveis no momento. Na prática, significa que, se não dá para concluir a negociação no fim do ano, tampouco dará nos próximos três anos, quando haverá mais eleições presidenciais e discussão de reformas de políticas agrícolas na Europa e EUA.

O Valor apurou que a proposta da UE requer que os principais países desenvolvidos e em desenvolvimento participem dos chamados "acordos setoriais" para eliminar ou reduzir substancialmente as tarifas de importação de químicos, farmacêuticos, produtos eletrônicos e elétricos e maquinários (industriais, agrícolas, de construção etc). Os EUA têm insistido para os grandes emergentes, sobretudo Brasil, China e India, participarem de acordos setoriais nesses produtos, para fazer cortes bem além do exigido para outros produtos.

A ideia europeia é ligeiramente diferente dos acordos setoriais até agora em discussão, de acordo com fontes que tiveram acesso ao documento. Exige um número suficiente de países participantes, para atender a demanda dos EUA de obter abertura significativa nos mercados em maior expansão para seus exportadores.

Para Bruxelas, trata-se de tentar trazer os EUA de volta para a mesa de negociação. Pela forma como propõe isso, porém, a UE acaba rifando os emergentes. O Brasil teria que aceitar cortes profundos em setores sensíveis na área industrial, e a reação não tardou. "O Brasil não se recusa a estudar formas de viabilizar a rodada, mas não estamos particularmente otimistas", afirmou o embaixador brasileiro junto a OMC, Roberto Azevedo.

Na semana passada, Pascal Lamy recebeu em seu escritório os visitantes todo vestido de preto, simbolicamente em luto, para entregar um maço de documentos de quase 700 páginas do que está na mesa de negociações em Doha.

A grande divergência é que os EUA não se conformam mais com o que tinham aceitado em 2008 e agora exigem de Brasil, China e Índia, sobretudo, maior abertura de seus mercados para produtos industriais, mas sem querer pagar a contrapartida na área agrícola, por exemplo. Além dos problemas de desequilíbrio dos compromissos na área comercial, se os emergentes aceitassem pagar mais em Doha, isso abriria terreno para a mesma demanda adicional em outras negociações, como a da mudança climática.

Nenhum país declara a morte de Doha. Mas todas as tentativas que os europeus colocam na mesa foram, de alguma forma, exploradas no passado e rejeitadas pelos EUA. O presidente americano Barack Obama já está em campanha, não quer a Rodada Doha e está mais confortável hoje com o "não" dos emergentes a suas demandas do que a um "talvez", que poderia causar desgaste em período eleitoral. Lamy tentará hoje discutir com os países o que fazer a partir de agora. Mas não há nenhuma convergência sobre nenhum dos cenários discutidos na cena comercial.

Pelo primeiro cenário, os países tentariam salvar pelo menos parte de Doha, tirando do pacote o pilar de acesso aos mercados (corte de tarifas), que bloqueia tudo. E tentariam até o fim do ano um acordo sobre facilitação de comércio, por exemplo. Na OMC, o sentimento é de que só as 25 páginas desse tema valem mais que todo o resto de Doha, pois ampliaria o comércio em pelo menos US$ 600 bilhões, nas estimativas mais otimistas.

Só que essa é uma visão mais aceita pelos EUA, UE, Japão e outros desenvolvidos. Emergentes não querem perder flexibilidade para engavetar licenças de importação, como fazem Argentina e Brasil. E aceitar o tema significa para eles receber de volta algo que os industrializados não estão dispostos a pagar.

O segundo cenário, na impossibilidade política do primeiro, é o que fazer para a OMC não perder mais relevância. Independente do que acontece com Doha, a ideia seria começar a dar combustível para a entidade trabalhar em temas como câmbio, investimentos, política de concorrência, commodities, meio-ambiente e trabalho. Mas o cenário é de total bloqueio, suspiravam ontem negociadores.