Título: A vez de Santos na rampa do Planalto
Autor: Queiroz, Silvio
Fonte: Correio Braziliense, 14/08/2010, Mundo, p. 27

Conexão diplomática

Entreabre-se a janela para uma abordagem política e diplomática da questão de fundo que permeia as tensões recorrentes entre a Colômbia e seus vizinhos bolivarianos: o conflito armado com as Farc

Haverá muito sobre a mesa quando o presidente Lula, novamente do alto da rampa do Planalto, receber o colega da Colômbia, no próximo dia 1º. Juan Manuel Santos, empossado há uma semana, escolheu Brasília como destino da primeira viagem oficial, embora tenha feito uma turnê latino-americana exploratória antes de receber a faixa. Mais importante: chegará depois de ter reatado relações com a Venezuela de Hugo Chávez, depois de discreta e eficaz intercessão do governo brasileiro e da Unasul.

É pelo bloco sul-americano, aliás, que começam os interesses do Planalto e do Itamaraty em estabelecer desde logo uma relação próxima e de confiança com o novo titular da Casa de Nariño. Dobrar as resistências do antecessor, Álvaro Uribe, foi uma jogada essencial da diplomacia brasileira para viabilizar a Unasul e seu Conselho de Defesa como espaço autônomo da região, sem tutela dos Estados Unidos que forjaram com Uribe uma aliança mutuamente indispensável.

Dessa perspectiva, o que está em jogo é se o novo governo de Bogotá terá olhos voltados quase exclusivamente para o norte, como o anterior, ou se estará aberto a novas direções.

Cá entre nós Aplainada a crise com a Venezuela, entreabre-se a janela para uma abordagem política e diplomática da questão de fundo que permeia as tensões recorrentes entre a Colômbia e seus vizinhos bolivarianos: o conflito armado com as Farc, que se aproxima de completar meio século. Dez anos atrás, quando o antecessor de Uribe sentou-se à mesa com a guerrilha, quem mais contribuiu para o processo foram governos europeus. Agora, porém, é do maior interesse da comunidade sul-americana contribuir para que o clima de diálogo estabelecido além-fronteiras se desdobre para a frente interna. Desarmar a última guerra no continente significa desativar um dos focos principais do tráfico de armas e drogas. Se, de quebra, se desarmarem também as cismas na vizinhança, o caminho da integração estará menos impedido.

Forças ocultas É nesse contexto que o atentado da última quinta-feira em Bogotá causa preocupação. Até mesmo o establishment político-militar colombiano, usualmente rápido para apontar os suspeitos de sempre as Farc , desta vez exercita a prudência. O certo é que o ataque só pode servir a quem não queira dar chance ao diálogo. Às vésperas da posse de Santos, o líder máximo das Farc, Alfonso Cano, dirigiu-se ao novo presidente e à Unasul convidando a uma conversa. No discurso de posse, o presidente respondeu cuidadosamente ao aceno: deixou a possibilidade aberta, porém sob a condição de que o assunto do colóquio sejam os termos para um adeus às armas.

Em meios diplomáticos latino-americanos, e não é de hoje, há os que identificam uma convergência de ocasião entre setores para quem a guerra traz lucros pecuniários, mas também políticos e geopolíticos e a paz obriga a mudar de ramo ou de endereço.

Feliz ano-novo Já para quem aposta nos negócios pacíficos e lícitos, as oportunidades aumentam na razão direta do relaxamento das tensões e da desmontagem do conflito. É o caso das muitas empresas brasileiras, entre elas a Petrobras, mas também grandes empreiteiras, que ensaiam investir na Colômbia. Sem falar nas que se encaixaram nas brechas abertas pelo congelamento do comércio entre Colômbia e Venezuela, adotado por Chávez em represália a Uribe.

O entrelaçamento do conflito colombiano com o narcotráfico trouxe riscos para a vizinhança, da mesma maneira como um processo de paz potencializa as oportunidades. O governo Santos tem uma chanceler com estofo diplomático e conta em Brasília com uma embaixadora que trafega com desenvoltura nos círculos empresariais. A visita inaugural a Lula aponta mais longe: de ambos os lados, a tacada parece destinada a costurar laços desde logo com quem chegue ao Planalto e ao Itamaraty no ano-novo.