Título: Aditivos viram regra em obras federais
Autor: Borges, André
Fonte: Valor Econômico, 06/07/2011, Política, p. A7

O poço sem fundo dos aditivos que turbinam o orçamento das obras de infraestrutura tem origem em um problema crônico: a péssima qualidade dos projetos básicos feitos para licitar essas obras. Seja de propósito ou não, o fato é que esses estudos, que são etapa obrigatória para que uma licitação seja lançada, costumam ser recheados com informações insuficientes e distorcidas, sem critérios técnicos aprofundados. O resultado disso é um esboço mal feito do que realmente será a obra e quanto custará. Só depois que a obra foi licitada é que, de fato, o "estudo executivo" detalha o projeto. Mas o estrago já estará feito.

Basicamente, é essa a estrutura por trás das denúncias de corrupção que tomaram conta da pasta dos Transportes. A principal queixa feita pela presidente Dilma Rousseff em sua reunião com a cúpula do setor, na semana passada, foi a enxurrada de aditivos lançados sobre os contratos de estradas e ferrovias.

A Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado levantou a execução orçamentária de 250 grandes obras realizadas no país. Os resultados revelaram que todas elas foram concluídas com um aumento de preço de pelo menos 45% em relação ao orçamento original. "Todos esses escândalos realmente começam com essa deficiência dos projetos básicos apresentados", diz a senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO), que preside a comissão.

O Tribunal de Contas da União (TCU) já defendeu que se exija a elaboração do projeto executivo das obras antes da licitação. No Senado, está em tramitação um projeto de lei (PL 132) que trata justamente disso. O texto tem como relator o senador Eduardo Suplicy (PT-SP). O Valor apurou que, na segunda-feira, Suplicy chegou a procurar a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti (PT-SC), para pedir apoio à votação do PL, mas o governo sinalizou que não tem interesse de que o assunto seja levado adiante.

A avaliação é de que a proposta vai absolutamente contra aquilo que defende o regime diferenciado de contratação (RDC), que flexibiliza as regras para contratação das obras da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016.

"Isso é lamentável. A situação, que já é ruim, tende a ficar ainda pior, porque o RDC simplesmente dispensa o projeto básico e passa a exigir, no seu lugar, apenas um pré-projeto de engenharia. Desse jeito as empresas vão deitar e rolar", diz a senadora Lúcia Vânia.

Para Jorge Hage, ministro chefe da Controladoria-Geral da União (CGU), a elaboração do projeto executivo antes da licitação "seria o mundo ideal", mas a realidade de mercado dificulta sua realização. "Acredito que, se se conseguir que os órgãos públicos elaborem bons projetos básicos e que estes contenham tudo o que a Lei [das licitações] 8.666 exige, já estaremos muito bem", comenta. "Falar em exigir o projeto executivo antes da licitação, hoje, me parece um tanto irrealista."

Alvo frequente de denúncias, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) não conta com uma estrutura própria capaz de fiscalizar o volume de obras que conduz. De acordo com cálculos da própria autarquia, faltam pelo menos 300 engenheiros no quadro para acompanhar a execução das obras. Quando o Dnit foi criado em 2001, tinha 4,9 mil funcionários para cuidar de um conjunto de obras cujo orçamento total atingia R$ 2,5 bilhões. Hoje seu orçamento ultrapassa R$ 10 bilhões, mas há 2,7 mil funcionários para acompanhar a execução. Pelo volume de obras em andamento, o diretor-geral da autarquia, Luiz Antonio Pagot, chegou a estimar que seriam necessários 6,1 mil funcionários.

O Dnit executa atualmente 1.080 contratos de obras, volume que soma investimentos totais de R$ 41 bilhões. Sem capacidade de passar um pente-fino nos projeto, o Dnit acaba se apoiando, quase que exclusivamente, nas auditorias feitas por órgãos de controle, como TCU e CGU.

As denúncias contra o suposto esquema de cobrança de propina e de superfaturamento nas obras de rodovias e ferrovias sob a responsabilidade do Ministério dos Transportes chegaram ao Ministério Público Federal. A oposição, através do PPS, ingressou, ontem, com representação na Procuradoria-Geral da República pedindo a abertura de inquérito.

O pedido foi feito ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pois é ele quem pode pedir a abertura de investigações contra o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, que é filiado ao PR. Como é ministro de Estado, Nascimento tem direito a foro privilegiado e só pode ser processado perante o Supremo Tribunal Federal (STF). Como chefe do MPF, cabe a Gurgel decidir se pede ou não ao STF a abertura de investigações contra ministros do governo.

Para o líder do PPS na Câmara, deputado federal Rubens Bueno, Nascimento deveria deixar o cargo enquanto são feitas as investigações sobre suposto superfaturamento em obras de sua Pasta. "O afastamento do ministro seria a melhor alternativa para o esclarecimento completo das denúncias", afirmou Bueno. O PPS apoia a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o caso. (Colaborou Juliano Basile, de Brasília)