Título: Importações seguram preços
Autor: Caprioli, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 24/08/2010, Economia, p. 14

conjuntura

Pesquisa do Bradesco mostra que 72,2% dos empresários não vão reajustar suas tabelas temendo perder parte do mercado para os produtos de fora. O consumidor agradece

Os recordes consecutivos de importações, facilitadas pelo real forte e pelo aumento da renda e do emprego, têm deixado os empresários na defensiva e feito a festa dos consumidores. Temendo perder mercado para produtos estrangeiros, os industriais brasileiros estão sendo obrigados a segurar os preços de suas mercadorias, movimento que ajudará o Banco Central a manter a inflação sob controle. É o que mostra pesquisa realizada pelo Bradesco com 2,3 mil companhias. Delas, 72,2% informam que pretendem manter as suas tabelas inalteradas em agosto. Em fevereiro, 62,1% projetavam reajustes.

Esse retrato é o efeito mais benéfico da concorrência. Os consumidores brasileiros estão vendo que é possível levar para casa produtos de melhor qualidade a preços mais acessíveis. Os empresários do país que não se renderem a essa realidade não só verão os estoques aumentarem como os lucros despencarem. Desta vez, tudo está conspirando a favor dos consumidores. Como há um superestoque de mercadorias no mundo, por causa da recessão econômica nos países desenvolvidos, há um forte direcionamento de mercadorias para países como o Brasil, que estão avançando a passos largos, diz o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas Gomes.

Mas não é só. Com o dólar enfraquecido, os importados têm chegado ao país a preços muito mais baixos do que há dois anos. Carros antes considerados fora da realidade estão indo direto para as garagens de muitos felizardos. Televisões e computadores de última geração também alegram os fascinados pela tecnologia. Ou seja, mesmo com a atividade mostrando um ritmo forte, os empresários nacionais não estão conseguindo ampliar além da conta as margens de lucro. Até porque estão tirando um naco do atual momento ao importarem matérias-primas mais baratas.

Na avaliação do diretor de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco, Octavio de Barros, a competição de grandes produtores internacionais, como a China, os Estados Unidos e a União Europeia aumentam ainda mais a pressão dos importados sobre os industriais brasileiros, moderando os reajustes de preços. No ano, as compras externas do país cresceram 45% até a semana passada, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. No mesmo período, as exportações apontaram incremento de 28,1%.

Bernardo Wjuniski, economista da consultoria Tendências, vai além. O que ocorre hoje é muito simples de avaliar: apesar do ciclo positivo, os empresários precisam manter os preços baixos, para ser competitivos. É um quadro completamente diferente da época pré-crise (de 2008), quando o aquecimento na economia era mundial. O consumo estava aquecido em todo o planeta, comenta.

Juros estáveis Se os empresários terão de fazer um esforço redobrado para manter os lucros, certamente a vida do BC ficou mais fácil, pois os exageros foram corrigidos pela competição. Não à toa, uma parcela crescente de analistas já aventa a hipótese de o Comitê de Política Monetária (Copom) manter inalterada a taxa básica de juros (Selic) em sua reunião na próxima semana. Essa aposta é reforçada pelos mais recentes indicadores de inflação. Segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV), pela nona semana consecutiva, o Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S) registrou deflação, agora de 0,17%.

A inflação segue bem comportada. Como deverá agir um banqueiro central com cerca de três meses consecutivos de índices de preços próximos de zero?, indaga Octavio de Barros. Para ele, apesar das críticas de muitos analistas, o BC agiu corretamente na última reunião do Copom, quando reduziu o ritmo de aumento da taxa Selic, de 0,75 para 0,5 ponto percentual.

A despeito da resistência, aos poucos os especialistas começam a admitir que a inflação está convergindo para o centro da meta definida pelo governo, de 4,5%, conforme tem defendido o BC. Segundo o Boletim Focus, publicado ontem, o mercado reduziu a estimativa para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deste ano de 5,19% para 5,10%.

Mas há uma ressalva: enquanto as boas safras mantêm os preços dos alimentos comportados e as importações impedem reajustes expressivos nos produtos industriais, o setor de serviço se tornou alvo de preocupações. O empresário desse segmento tem espaço para aumentar preços. A demanda está aquecida e para o produto que ele entrega não há substitutos imediatos, com preços menores, afirma Wjuniski.

Como há um superestoque de mercadorias no mundo, por causa da recessão econômica nos países desenvolvidos, há um forte direcionamento de mercadorias para países como o Brasil

Carlos Thadeu de Freitas Gomes, economista-chefe da CNC

Os bancos se saem melhor

Com a retomada do crédito a plena carga, emprestar dinheiro rendeu excelentes resultados aos bancos. A despeito do avanço da economia, o setor foi o que mais lucrou no segundo trimestre deste ano. Na comparação com as empresas de capital aberto, 25 instituições fecharam o período com ganhos de R$ 10,1 bilhões, um avanço de 18,38%, segundo estudo elaborado pela consultoria Economatica.

O segmento foi um dos mais afetados pela crise financeira internacional, na qual o pânico dos investidores ocasionou um congelamento de diversas operações. Em contrapartida, o ramo foi amplamente socorrido pelos governos seja pela intervenção direta, como ocorreu nos Estados Unidos, ou indiretamente. No caso do Brasil, o Banco Central adotou várias medidas que buscaram não interromper o fluxo de crédito, especialmente entre as instituições. As ações orquestradas aumentaram a força dos bancos públicos e privados, possibilitando a recuperação mais rápida do setor.

O crescimento na lucratividade dos bancos, no entanto, foi menor do que o conjunto de 321 companhias de capital aberto do país pesquisadas, que lucraram 35% mais no segundo trimestre deste ano, ante o mesmo período de 2009, com rendimento de R$ 44,6 bilhões. Entre 23 setores, o segundo que mais destacou-se foi o de petróleo e gás, representado por quatro empresas. No total, as companhias tiveram ganhos 10,9% superiores, de R$ 8,5 bilhões, sendo R$ 8,2 bilhões apenas da Petrobras.

O estudo aponta ainda que seis setores com ações listadas tiveram lucro menor entre abril e junho deste ano, entre eles o de alimentos e bebidas e o de veículos e peças. (GC)