Título: Injeção de dinheiro e recompras do BCE não eliminam perigo de contágio
Autor: Blas , Javier
Fonte: Valor Econômico, 05/08/2011, Finanças, p. C1

Jean-Claude Trichet não foi firme o suficiente sobre a política que o Banco Central Europeu (BCE) vai seguir e o anúncio de duas medidas anti-crise só atenuou por alguns minutos o pânico que toma conta dos mercados e ameaça levar Itália e Espanha ao "default".Primeiro, o BCE anunciou uma injeção de liquidez ilimitada para as instituições financeiras na zona do euro, com empréstimos de seis meses e não apenas três meses. A última vez que o BCE tinha adotado essa medida foi em abril de 2010.

Numa segunda via, o BCE reativou o programa de compras de títulos de países com problemas nos mercados de dívida. Minutos depois, os prêmios de risco - o preço exigido pelos investidores na compra de papéis de 10 anos ante os papéis alemães - caíram para a Espanha e Itália. Mas o alívio durou pouco e, no fim da tarde, o risco voltou a subir a níveis próximos aos que levaram Grécia, Irlanda e Portugal a pedirem socorro a Bruxelas para não quebrar.

"A decisão do BCE de intervir no mercado foi acertada, mas Trichet não deixou claro se é apenas para agora ou se vai suspender essa ação na semana que vem, e com isso não se cria estabilidade", disse ao Valor um dos principais especialistas da zona euro, o professor Paul De Grauwe, da Universidade de Louvain, da Bélgica.

Trichet não sinalizou que o BCE está pronto a intervir a todo momento, a fim de reduzir o diferencial de prêmio entre a Itália e Espanha com a Alemanha, que "é resultado de pânico e não de fundamentos econômicos", na avaliação de Gauwe.

Nesse cenário, ele considera incontroláveis as forças do contágio na zona euro. Certos analistas também insistem que a Espanha ou a Itália, ou ainda ambas vão chegar ao default.

Para de Gauwe, a crise chegou a esse ponto porque os mercados de títulos públicos numa união monetária é normalmente frágil. Os 17 países da zona euro emitem títulos da dívida em moeda sobre a qual não têm controle. E assim não podem garantir aos compradores que terão sempre a liquidez necessária para pagar os papéis no prazo. A situação é diferente com os países que emitem seus próprios bônus, fora da união monetária e podem dar essa garantia, porque o banco central tem força para criar moeda sem limite.

Na sua avaliação, o contágio nos mercados da dívida soberana só pode assim ser freado se um banco central é capaz de ser o "último recurso", ou seja, o garantidor final. E no caso da zona euro, deveria ser o Banco Central Europeu.

O BCE só fez isso de maneira tímida. Seu plano de aquisição de papéis públicos da Grécia, Irlanda e Portugal alcançou ¿ 72 bilhões e estava desativado desde março. O banco argumentou que, à medida que dá a garantia como "last resort", isso pode ser interpretado errado para os políticos aumentarem ainda mais a dívida pública.

No dia 21, líderes da zona euro, sob a ameaça de quebra da Grécia, e por tabela do euro, decidiram driblar o problema dotando o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (EFSF, na sigla em inglês) de maior flexibilidade e mais recursos para emprestar a países com problemas.

Ocorre que as medidas necessitam ser ratificadas pelos parlamentos nacionais, o que toma tempo. Os ataques a Espanha e Portugal aumentam quando o fundo europeu só tem ¿ 340 bilhões para socorrê-los. Para se ter uma ideia, apenas a dívida pública italiana é de ¿ 1,8 trilhão, equivalente a 120% do PIB, o que faz o país um dos maiores devedores do mundo.

Uma ideia que estaria em exame em Bruxelas levaria a zona euro a dispor de dois fundos até meados de 2013, com cerca de ¿ 1 trilhão.

Mas para de Gauwe, não há saída. "O BCE precisa assumir a responsabilidade como emprestador final nos mercados de títulos públicos. Sem isso, os mercados não podem ser estabilizados e a crise continuará contagiosa".