Título: Recorde bilionário
Autor: Rockmann,Roberto
Fonte: Valor Econômico, 26/09/2011, Especial, p. F1

Com um cenário que não prevê o agravamento da crise internacional, a indústria de mineração projeta investimentos recordes no Brasil entre 2011 e 2015. Apoiada na crescente urbanização das economias emergentes, como China e Índia, o setor prevê aplicações de US$ 68,5 bilhões em projetos para ampliar a produção de metais. O carro-chefe será o minério de ferro, que deverá receber dois terços dos recursos, para mais que dobrar sua produção para 771,5 milhões de toneladas em 2015.

No médio prazo, o horizonte também é otimista: de acordo com o Plano Nacional de Mineração, divulgado em fevereiro, os investimentos em pesquisa mineral, mineração e transformação mineral somarão US$ 270 bilhões até 2030, podendo chegar a US$ 350 bilhões se forem acrescidos os desembolsos em infraestrutura e logística. Mas, para o país ganhar mais espaço na concorrência com a América Latina, África, Ásia e Oceania, será preciso superar obstáculos, como a elevada carga tributária sobre a produção, altos preços da energia elétrica, a deficiente infraestrutura de transportes e a necessidade de maior conhecimento geológico.

Em 2009, metade da população mundial se concentrou em cidades e a outra, no campo. Até 2050, a relação mudará: segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), dois terços do planeta habitarão a zona urbana. Um exemplo dessas transformações é a China: nos próximos 25 anos, 800 milhões de chineses irão para as cidades. A expansão chegará às ruas: hoje, o país tem uma média de 34 carros por mil habitantes. Em 2020, essa relação chegará a 100 carros para mil chineses. O país asiático, que vem construindo 7 milhões de moradias por ano, terá 25 cidades com mais de 20 milhões de habitantes. "A urbanização dos emergentes impulsionará a demanda", diz Paulo Camilo Vargas Penna, presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), para quem o balanço entre oferta e demanda ficará apertado até 2015.

Os novos investimentos poderão reforçar o peso do setor na balança comercial verde-amarela. Em 2006, as exportações do setor mineral somaram US$ 11 bilhões, com importações de US$ 4,5 bilhões, resultando em um saldo de US$ 6,5 bilhões. Em 2010, os embarques chegaram ao recorde histórico de US$ 35,3 bilhões (17,5% dos US$ 202 bilhões exportados pelo país no ano passado), com importações de US$ 7,7 bilhões, saldo de US$ 27,6 bilhões. Para este ano, projeta-se superávit de US$ 33 bilhões, com exportações de US$ 43 bilhões, novo recorde.

"A demanda permanecerá aquecida enquanto países emergentes mantiverem altos seus níveis de consumo o que elevará o nível dos preços internacionais das commodities minerais. Esses países têm uma árdua tarefa: aumentar a renda per capita e o padrão de vida dos habitantes, além de urbanizar as populações. Isso demandará grandes quantidades de minerais", afirma Sérgio Augusto Dâmaso de Sousa, diretor-geral do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).

"O país passa por um momento único de desenvolvimento que pode ser verificado pela maior demanda de bens minerais, pelos investimentos em infraestrutura necessários para a realização de eventos a serem realizados no país, como a Copa do Mundo de 2014", diz o diretor do DNPM. Cenário tão promissor será discutido no 14º Congresso Brasileiro de Mineração, que se inicia hoje em Belo Horizonte (MG) e se prolonga até o dia 29.

Novas fronteiras, como fertilizantes e terras raras, têm despertado a atenção dos investidores. O aumento da população mundial e a restrição à existência de novas fronteiras agrícolas exigem o uso de fertilizantes para elevar a produtividade.

Um dos maiores produtores mundiais de alimentos, o Brasil também é um dos maiores importadores de potássio e fosfato, usados na indústria de fertilizantes. "O Brasil terá de ter maior produtividade, evitando maior desmatamento, o que poderia fazer surgir barreiras não-alfandegárias, o que mostra a importância dos produtos", diz Penna. Assim, cresce o interesse das mineradoras pelos minerais agrícolas.

Outro foco de atenção são as terras raras, usadas em informática, ótica eletrônica, telecomunicações, motores híbridos e outros. "Fomos pioneiros na exploração e exportação na década de 1940, depois perdemos tradição", diz Ronaldo Luiz Santos, coordenador de processos metalúrgicos e ambientais do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem), ligado ao Ministério de Ciência e Tecnologia. "Com o pré-sal, que exigirá o uso de novos materiais, um novo nicho se abre", diz o pesquisador. Hoje, o beneficiamento de óxidos de terra rara de elevada pureza é feito fora do país. "É preciso uma política específica para o segmento", defende Santos.

Se o cenário é otimista, há preocupações no horizonte. Uma delas se refere ao cenário macroeconômico internacional. "O momento é complexo, com EUA e Europa em crise, os emergentes preocupados com a inflação, o que pode fazer a China reduzir o crescimento com alta dos juros, e questões políticas no Oriente Médio e no Norte da África", diz Ronaldo Valiño, líder de mineração e siderurgia da PwC Brasil.

Apesar da turbulência, Valiño não acredita em um cenário semelhante ao de 2008, quando a crise derrubou os preços das commodities e postergou projetos. "A despeito dos riscos, as informações coletadas na cadeia produtiva apontam que a China tem investido mais do que o previsto nessa década e há expectativa de a Índia aumentar a demanda."

O peso da China é considerável. Com a maior produção siderúrgica do mundo, responde por cerca de 50% do mercado transatlântico de minério de ferro, além de importar outros metais. "É pouco provável que a crise no Atlântico Norte seja suficientemente intensa para prejudicar os investimentos na mineração de ferro brasileira, que visam a atender principalmente o crescente mercado asiático", afirma o professor Germano Mendes, da Universidade Federal de Uberlândia.

Segundo ele, na crise de 2008, a ociosidade da siderurgia mundial cresceu de 11% em junho para 21% em setembro do mesmo ano. "Agora, passou de 18% em abril de 2011 para 20% em julho, o que mostra a menor intensidade da crise e ajuda a explicar a relativa robustez dos preços spot do minério de ferro", diz Mendes. Para analistas, os preços do minério devem oscilar entre US$ 140 a US$ 180 no início de 2012.

Há outros entraves no segmento: a elevada carga tributária, que pode ser aumentada ainda mais com a nova taxação dos royalties, e as deficiências de infraestrutura, como a logística.

Pela proximidade com a China, a Austrália tem um custo de frete dois terços mais baixo que o do Brasil. Em paralelo, a alta do preço da energia elétrica é outro fator preocupante para as empresas mineradoras.

"As companhias têm uma lista de projetos muito relevante para o país, mas é preciso avançar na agenda de custos, porque o Brasil está no pódio quando se comparam os impostos sobre a produção de metais", afirma Penna, do Instituto Brasileiro de Mineração.

Outra dificuldade é que, apesar do rico subsolo, o Brasil ainda tem um baixo conhecimento de suas reservas, com um conhecimento geológico de cerca de 20% de sua extensão.