Título: Mercado começa a ler cartilha do BC
Autor: Pinto,Lucinda
Fonte: Valor Econômico, 30/09/2011, Finanças, p. C1

Um raro consenso de opiniões parece dominar o cenário de política monetária, justamente em um dos momentos mais incertos da economia global. Economistas e tesourarias apontam projeções semelhantes para o rumo da taxa de juros nos próximos meses - fenômeno não assistido pelo menos neste governo. Os dois grupos contemplam, em sua maioria, a continuidade do ritmo de corte de 0,5 ponto da Selic, no mínimo, pelos próximos três meses. E não demonstram desconforto com esse cenário, diferentemente do que ocorreu logo após a última decisão do Banco Central (BC) de reduzir a taxa Selic para 12%.

No mercado de juros, onde as apostas têm sido tradicionalmente mais ousadas em relação ao corte de juros e chegou-se a considerar uma queda de 1 ponto na reunião de outubro, os contratos vêm sofrendo um ajuste nos últimos dias. Todas as taxas mostraram queda na semana. Só que o recuo é mais brando nos prazos mais curtos, o que reflete o crescimento da aposta de manutenção do atual ritmo de corte da Selic, sem riscos de pressão inflacionária no futuro.

Ontem, o relatório de inflação acentuou esse movimento. Para se ter uma ideia, o DI com vencimento em janeiro de 2017 recuou na semana 0,66 ponto (saiu de 11,98% para 11,32%), enquanto que o DI janeiro 2013 caiu 0,23 ponto (de 11,69% para 11,46%). A leitura que se fez do documento é de que não há espaço para aceleração da queda da Selic por enquanto. Mas também que, com as incertezas externas, o processo de alívio monetário não gera riscos mais à frente - o que explica a queda dos juros longos.

Entre economistas, onde o cenário não parece muito diferente do traçado pelo mercado, a recente queda da Selic foi considerada surpreendente e, por muitos dos profissionais, classificada como imprudente. Nos últimos dias, entretanto, a intensidade das críticas ao BC parece ter diminuído. Para alguns profissionais, a reunião do FMI, no último fim de semana, pode ter sido um divisor de águas em relação à percepção do mercado sobre a estratégia de política monetária adotada pelo BC até aqui.

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A maior parte dos analistas ouvidos continua mantendo a mesma previsão para política monetária (com projeção de corte de 0,5 pp em outubro), mas o discurso de muitos já é de quem "comprou" a teoria de que a desaceleração econômica global abre espaço para o alívio monetário. Algumas casas, como a Nomura Securities e o banco ABC Brasil, fizeram ajuste em suas projeções (o primeiro já vê corte de 1 ponto porcentual em outubro e o segundo reduziu o piso da taxa de 10% para 9%, a ser alcançado em 2012). "Alterei o cenário depois do cenário apresentado no encontro do FMI", confirma o economista do ABC Brasil, Luis Otávio de Souza Leal. Já o Bank of America Merrill Lynch admite, em relatório que cresceu a chance de haver uma redução de 1 ponto no mês que vem, diante do ambiente externo frágil.

Para Tony Volpon, diretor da Nomura Securities, o cenário traçado durante o encontro do FMI assustou os participantes e reforçou sua expectativa de aceleração do corte de juros em 1 ponto percentual em outubro. "Ainda que esteja claro que o Banco Central não está trabalhando com um cenário de ruptura no exterior, acredito que sua estratégia seja a de se antecipar aos fatos, exatamente como fazem outros BCs de países emergentes, e, com isso, um corte mais forte pode vir na próxima reunião", diz.

Mas a maior parte dos especialistas, o passo atual da política monetária ainda está adequado. E deixa espaço para manobras, à medida que definições surjam no exterior. Para Carlos Kawall, economista-chefe do banco J.Safra, o relatório de inflação divulgado ontem confirma que o BC não trabalha com um cenário de catástrofe no exterior e, por isso, confirma o "plano de voo" já adotado pelo BC, de queda da Selic em 0,5 ponto percentual nas reuniões de outubro, novembro e janeiro de 2012. "Claro que ainda temos três semanas até o Copom e, caso algo mais grave ocorrer, pode haver uma decisão diferente", afirma o economista, esclarecendo que não fala em nome da instituição financeira em que trabalha.

Octavio de Barros, diretor do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco, pondera que está se tornando cada vez mais difícil prever a trajetória da taxa de juro. "Só sabemos que a redução da taxa Selic na próxima reunião do Copom, em outubro, será de 0,50 ponto percentual. E desde que o mundo não desabe até o dia da decisão - 19 de outubro", comenta o economista que ainda acredita em mais um corte de 0,50 ponto em novembro, com a Selic encerrando 2011 em 11% ao ano.

O Bradesco segue trabalhando com projeção de Selic a 10,50% ao ano em dezembro de 2012. Mas essa previsão vale pouco diante de tamanha incerteza global, na avaliação de Barros. Ele entende que o mundo vai ditar o ritmo dos juros no Brasil. "Se piorar muito os juros caem mais. Se piorar menos os juros caem menos. O problema é que agora a questão está indo além da Europa e Estados Unidos. A China entrou no páreo das incertezas e o Brasil é mega sensível à China", alerta o diretor do Bradesco.

O Santander trabalha com a perspectiva de ajuste modesto da Selic e concentrado, por ora, neste ano. Dois cortes consecutivos de 0,50 ponto percentual levariam a taxa básica a 11%. Para o fim de 2012, o banco mantém 11%. "O cenário do ano que vem é dependente da crise lá fora. Se a crise piorar, podemos rever o juro para baixo", afirma Cristiano Souza, economista do Santander que também não vê o cenário externo em ruptura.

Ele pondera que a ruptura até pode ocorrer, levando o cenário externo ao limite de uma crise bancária. Mas do cenário doméstico não vem atividade branda. As indicações continuam sendo de mercado de trabalho aquecido, impulsionando os salários.

As projeções de inflação ainda salgadas apresentadas pelo relatório de inflação podem levar a LCA Consultores a rever sua previsão para o fim do ciclo de alívio monetário. A estimativa do economista Bráulio Borges é de que a Selic pode sofrer ainda mais quatro doses de corte de 0,5 ponto, levando a taxa para 10%. Mas, após o relatório, Borges considera que o corte total pode ser menor. "O relatório confirmou a afirmação feita por Tombini, de que não há uma piora do cenário externo desde a última reunião do Copom e, portanto, a queda pode ser interrompida antes do que esperamos", afirma.