Título: Dilemas de gestão macroeconômica ainda persistem
Autor: Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 08/12/2004, Brasil, p. A3

Mesmo dez anos após a implementação do Plano Real, o Brasil ainda tem sérios problemas macroeconômicos a enfrentar, como juros reais elevadíssimos e incertezas provocadas pelas oscilações freqüentes do câmbio. Essa foi a avaliação predominante dos economistas que participaram de um seminário realizado ontem pela Serasa, para discutir os caminhos para o crescimento sustentado. Analistas como José Roberto Mendonça de Barros, Luís Paulo Rosenberg e Luciano Coutinho apontaram as distorções provocadas por juros reais acima de 10%, além de mostrar preocupação com a recente apreciação do real e suas possíveis implicações sobre as contas externas. Sobraram críticas à atuação do governo, tanto na política monetária quanto na cambial. Cláudio Adílson Gonçalez, da MCM Consultores, fez o contraponto, afirmando que o nível dos juros decorre em grande parte de questões institucionais, e não de decisão do BC, e se dizendo confortável com a cotação do câmbio. Para Mendonça de Barros, ex-secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior (Camex) e sócio da MB Associados, a situação macroeconômica não está arrumada, diferentemente do que repetem alguns analistas. Deu alguns exemplos: "Acho que não há nenhuma experiência no mundo em que, depois de dez anos de estabilização, os juros reais continuam em 10%. Além disso, avançamos pouco no mercado de crédito." Rosenberg, sócio-diretor da Rosenberg & Associados, criticou duramente o Banco Central (BC) pela condução das políticas monetária e cambial. Lembrou que os juros reais acima de 10% encarecem o crédito e têm impactos fiscais pesados, num país em que mais da metade da dívida doméstica é corrigida pela taxa Selic. Para ele, o modelo do BC brasileiro, que tem como tarefa exclusivamente cumprir metas inflacionárias, é um dos problemas. O modelo do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) lhe parece mais adequado, já que a instituição tem que se preocupar com a inflação e o nível de emprego. Rosenberg ressaltou ainda o que considera uma distorção de curto prazo provocada pela elevação recente da Selic - a forte apreciação do real. Para ele, a queda do dólar para a casa de R$ 2,70 foi causada por um "dinheiro cafajeste", interessado exclusivamente em aproveitar o diferencial entre juros internos e externos. O câmbio apreciado, segundo Rosenberg, coloca em risco as conquistas do ajuste externo, o grande avanço nos últimos anos. Ele avalia que o dólar deveria estar em pelo menos R$ 3. Abaixo disso, exportações de manufaturados tenderiam a ficar pouco atrativas. Para mudar esse cenário, ele avalia - assim como Mendonça de Barros e Coutinho - que o BC deve aproveitar para recompor mais rapidamente o nível de reservas líquidas do país, hoje muito baixas. Excluindo-se os recursos do Fundo Monetário Internacional (FMI), elas estão em US$ 22,4 bilhões. As da Rússia são de US$ 100 bilhões. Segundo os analistas, as intervenções do BC no mercado, que recomeçaram na segunda-feira, não devem ser tímidas. Coutinho, da LCA Consultores, considera que a apreciação da taxa de câmbio chegou ao limite da sensatez, e defende uma atuação do BC para "melhorar a posição relativa do real em relação a outras moedas" e levar a um aumento das reservas. "O país tem uma oportunidade de ouro, pois o momento é favorável, com ingresso de capitais e muita liquidez." Coutinho também considera fundamental reduzir a remuneração para aplicações de curto prazo. Ele lembrou que, no Brasil, é possível conseguir um juro real de 6,5% a 7% ao ano, líquido de impostos, para aplicações de um dia, o que não existe, segundo ele, em nenhum país do mundo. "Isso veio da superação da inflação, mas é algo que deve ser enfrentado". Para Coutinho, é necessário baixar o rendimento para aplicações curtas e ampliar o das longas, o que poderia ser feito, com um tratamento tributário diferenciado de acordo com o prazo de investimento. Gonçalez, da MCM, fez uma avaliação bastante diversa. Para ele, os juros são de fato elevados no país, mas a culpa não é do BC. "A questão das instituições tem um peso fundamental para explicar por que os juros são tão altos", afirmou ele. "O direito de propriedade e o direito do credor são flagrantemente desrespeitados no país." Quanto ao câmbio, Gonçalez disse que não vê motivos para tanta preocupação com o nível do dólar. Para ele, uma taxa entre R$ 2,80 e R$ 2,90 está no nível médio do registrado no período 1999-2003, em termos reais, deflacionando-se pelo índice de preços ao consumidor. Ele atacou medidas de câmbio real que corrigem a taxa pelo índice de preços no atacado (IPA), mostrando-a no nível anterior ao da desvalorização de 1999. "No longo prazo, o IPA reflete a variação do câmbio. Com isso, usar o IPA é o mesmo que deflacionar o câmbio pelo câmbio". "A grande vulnerabilidade externa é o tamanho do fluxo de comércio em relação ao PIB", afirmou ele, referindo-se à soma de exportações e importações.