Título: Onde há fogo¿...
Autor: Sassine, Vinicius
Fonte: Correio Braziliense, 26/08/2010, Brasil, p. 10

MEIO AMBIENTE

... ¿há doenças respiratórias, desabastecimento de água e até morte de animais.Número de queimadas na época da seca causaumasérie de prejuízos e deixa paísemalerta

Uma nuvem de fumaça carregada de monóxido de carbono (CO) e de outras partículas poluentes cobre os estados do Pará, deMato Grosso e de Rondônia. Em PortoVelho (RO), por causa da poluição do ar quase três vezes superior à existente hoje em São Paulo, mais de mil crianças foramatendidas, somente nestemês, com algum problema respiratório pela rede pública de saúde.

As reservasde cerradoemGoiás eTocantins ardem em chamas.Na unidade de conservação mais ricaembiodiversidadenopaís,oParqueNacional das Emas, emMineiros (GO), o fogo consumiu 98% da vegetação.No Parque Nacional do Araguaia, que preserva uma área de transição entre cerrado e Amazônia,emTocantins, quase metade da área já foi transformadaemcinzas.

Décadasinteiras serão necessárias para a vegetação voltar a florescer.

Blecaute no Acre, aeroportos fechados na RegiãoNorte, consumo recorde de energia nas residências, diminuição expressiva dos reservatórios das hidrelétricas, risco de desabastecimento de água: a seca prolongada no país com consequentes baixa umidade do ar e explosão das queimadasvemprovocando prejuízos constantes à saúde pública, para o meioambientee para aeconomia.Comíndices críticos de umidade, focos de incêndio e poluição do ar, estados das regiões Norte, CentroOeste eNordeste são os mais penalizados.

A umidade do ar chegou a 12%emGoiânia (GO) ontem, o pior índice dentre as capitais brasileiras.Abaixode12%,aOrganizaçãoMundialdeSaúde( OMS)considera estadodeemergência.

EmSãoPaulo,aumidadeficouem13%.

Emoutras quatro capitais, o índice foi de 20% oumenoso que significa estado de alerta.

Oprolongamentodaestiagem fezonúmero de queimadas atingir o recordeemagosto. São quase 21 mil focos de calor registrados nos primeiros 24 dias do mês pelo InstitutoNacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), ou seja, 227% a maisdoquenomesmomêsdoano passado.

Olançamento de monóxido de carbono na atmosfera por causa da intensificação das queimadas, que se soma a outras partículas poluentes diretamente responsáveis por doenças respiratórias, resulta em superlotação de unidades públicas de saúde, principalmente as especializadas no atendimento à criança. Semchuvas há mais de 30 dias, com mais de 2 milhões de toneladas de CO² lançados na atmosfera somente neste mês, Rondônia passa por essa situação.

Está muito seco, há fumaça, faz muito calor, lamenta o diretor clínico do Hospital Infantil Cosme e Damião de Porto Velho, Daniel Pires de Carvalho. A unidade de saúde é administrada pelo governo de Rondônia epresta atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Por causa do tempo seco, a proporção de crianças com asma, bronquite, pneumonia e rinite alérgica aumentou de 20% para 30%.

Rodízio Dentro de casa, as famílias passarama gastar mais energia elétrica por causa do calor. Segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o consumo residencial entre janeiro e julho deste ano é o maior já registrado desde 2001. Na direção contrária, os reservatórios das principais hidrelétricas nas regiões CentroOeste,Norte e Sudeste estão com volume bemmenor do que o registrado nomesmoperíodo do ano passado.Na hidrelétrica de Emborcação, o volume útil de água caiu de 78,7% em2009 para 45,6% nomesmomêsdeste ano.

Falta água também para o abastecimento das cidades. No interior deMato Grosso do Sul, se não chover atéofim de setembro, a empresa de saneamento do estado planeja instituirumrodízio no fornecimento de água. Fica difícil manter o abastecimento. Estamos pedindo para as pessoas economizarem, diz o gerente comercial da Sanesul, Onofre Assis.

No estado vizinho,Mato Grosso, a agricultura sente os efeitos da seca.No ano passado, foramcolhidas 80 sacas de milho por hectare. Neste ano, não passou de 68 sacas. A estiagem prolongada prejudica o pasto do gado e o próprio plantio da soja, que deve começar no próximo mês. Um incêndio num assentamento em Sorriso matou 50 cabeças de gado. Plantações de milho também já foram consumidas pelo fogo. O estado é um dos que mais sofrem com queimadas.

O fogo rápido no Parque Nacional das Emas, emGoiás, consumiu quase toda a reserva.

Da última vez emque houve umincêndio dessa proporção, em2004, 800 tamanduásbandeira foram encontrados mortos, quantidade de animais que não foi localizada neste ano. É umindicativo de que as populações de diversas espécies não estão conseguindo se recompor. Os incêndios são mais rápidos e devastadores do que o ciclo da natureza.

Serão anos para o parque se recuperar, umprejuízo incalculável para o cerrado, afirma o biológo Leandro Silveira, presidente do Instituto Onça-Pintada, que atua na reserva.