Título: Irã articulou um ataque preventivo
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Fonte: Valor Econômico, 18/07/2006, Internacional, p. A9

Os líderes do Irã, divididos por disputas internas e concorrentes entre si, decidiram, por meio das suas ações, rejeitar a oferta da Europa e dos EUA de dar um reator nuclear, peças de reposição para aeronaves, cooperação econômica e mais, em troca da renúncia ao enriquecimento de urânio. Muitos esperavam que os líderes iranianos aceitassem a oferta, a despeito do seu extremismo, mesmo que só para evitar as sanções - que certamente virão, mesmo se China e Rússia os apoiarem no Conselho de Segurança da ONU. Os EUA e a Europa estão unidos desta vez e podem efetivamente isolar o Irã do sistema bancário mundial, proibir que líderes iranianos viagem ao Ocidente e suspender as exportações de tudo ao Irã, à exceção de alimentos e medicamentos.

Em vez de esperar passivamente pelas sanções, os líderes iranianos decidiram começar uma crise no Oriente Médio, organizando atentados contra Israel. Seu objetivo é desencorajar os EUA e os europeus de iniciarem uma nova crise - os mercados financeiros e a vida política na Europa não podem tolerar tanto conflito. Eles também podem esperar estilhaçar a posição atual unificada reinante entre EUA e Europa.

Além disso, a reivindicação iraniana à liderança do mundo muçulmano está sendo minada pelo conflito no Iraque, onde o Irã apóia as milícias xiitas que estão matando sunitas. Cada dia sangrento de atentados a bomba e de execuções no Iraque relembra os árabes de que os iranianos não são árabes nem sunitas. Mas atacar Israel une os muçulmanos e conquista a gratidão dos árabes.

A iniciativa do Irã foi preparada em uma série de encontros realizados com o Hamas e com o Hezbollah no Líbano. Khaled Mashal, o líder absoluto do Hamas, que vive sob proteção síria em Damasco, viajou a Teerã, onde recebeu cerca de US$ 50 milhões em dinheiro extremamente necessário. Embora seja um desdobramento do grupo sunita Irmandade Muçulmana, cujos financiadores árabes odeiam os aiatolás, o Hamas decidiu cooperar com o plano iraniano por que estava diplomaticamente isolado e afastado do acesso aos fundos do Ocidente, devido à recusa em reconhecer Israel.

O Hamas agiu aumentando os ataques de foguetes contra o território israelense vizinho e empreendendo um atentado contra Israel, no qual matou dois soldados e capturou um outro. Isto provocou a retaliação israelense, o que começou o lado Gaza da crise que o Irã desejava. Quanto ao impacto sobre as vidas em Gaza, o Hamas - assim como Iasser Arafat - mais uma vez se mostrou mais devotado à idéia da Palestina que à do bem-estar dos palestinos.

Foi muito mais dispendioso conseguir que o Hezbollah servisse à estratégia iraniana. Apesar de manter uma força terrorista/de guerrilha uniformizada de cerca de 5 mil membros, fortemente armada e recebendo salários, seu líder, Hassan Nassrallah, há anos se empenha em transformar o Hezbollah em um partido político legítimo e no principal representante dos xiitas do Líbano. Seus esforços foram tão bem-sucedidos que o Hezbollah agora tem dois ministros no governo.

Para ser aceito por outros libaneses, porém, e de certa forma até para manter o apoio da amiga Síria, o Hezbollah concordou em se unir ao consenso libanês em torno da prioridade da reconstrução e da recuperação econômica após anos de guerra civil. Isso significou evitar uma guerra com Israel.

O Hezbollah foi instruído pelo Conselho de Segurança da ONU a se desarmar e a dissolver sua milícia, porém o grupo alegou que, mesmo depois da retirada plena de Israel, em 2000, precisava das suas armas para continuar liberando "território libanês". O termo diz respeito a uma minúscula faixa de terra, as chamadas "fazendas de Sheba", declarada território israelense por inspetores da ONU, mas que o Hezbollah reivindica como parte do Líbano.

Outros partidos políticos libaneses concordaram que o Hezbollah poderia manter suas armas para combater lá, porém somente sob a condição de a organização manter a paz no resto da fronteira. Esta é a condição que Nasrallah violou ao ordenar um ataque contra uma patrulha israelense muito distante das fazendas de Sheba e lançando foguetes contra o território israelense. Com esse gesto, o Hezbollah deitou por terra a sua posição política no Líbano.

Para o governo de coalizão israelense liderado pelo premiê Ehud Olmert, as questões são relativamente simples. Ele ordenou a retirada de Gaza para por um fim ao ciclo de violência no local, partindo da premissa de que o território israelense em si não seria atacado. Mas a possibilidade de ataque foi naturalmente prevista e os planejadores militares israelenses determinaram que a única resposta possível seria contra-atacar de forma tão violenta e tão prolongada quanto fosse necessário, até que os ataques palestinos parassem, por exaustão ou por um acordo.

O controle da Autoridade Palestina pelo Hamas não diminui nem aumenta a necessidade de ação militar israelense, porém aumenta os seus benefícios políticos, porque a luta e a destruição dizem à população de Gaza que os seus dirigentes estão colocando em risco a sua sobrevivência física.

Quanto ao Hezbollah, a resposta militar israelense não fica de forma nenhuma restrita à retaliação. Durante anos, o Hezbollah recebeu e armazenou milhares de foguetes e cerca de cem mísseis de alcance mais longo procedentes do Irã. Recentemente, e de forma muito reveladora, dois líderes iranianos ameaçaram Israel com bombardeios com os foguetes do Hezbollah se Israel atacasse as instalações nucleares iranianas. Assim sendo, Israel está usando a oportunidade trazida pelos combates atuais para localizar e destruir os esconderijos clandestinos e outras instalações do Hezbollah, onde este mantém seus foguetes e mísseis.

O objetivo político de Israel é destruir a posição do Hezbollah como um legítimo partido político libanês, expondo-o como o agente pago do Irã, que atende os interesses estrangeiros a um custo atroz para o Líbano. Por isso Israel está bloqueando os portos do Líbano, destruiu as pistas de pouso dos três campos de aviação capazes de aterrissar jatos, incluindo o aeroporto internacional de Beirute, e continua pronto a destruir usinas elétricas e outros alvos de alto valor, se necessário, para gerar suficiente pressão política sobre o Hezbollah.

Se as forças políticas do Líbano e os seguidores de Nasrallah não conseguirem fazê-lo abraçar uma trégua, Israel bombardeará mais alvos, incluindo os escritórios de Nasrallah no sul de Beirute. Se mais mísseis forem lançados, Israel cruzará a fronteira e avançará fundo em território libanês.

É claro, em Gaza e no sul do Líbano, que o desfecho é predeterminado pelo balanço militar unilateral. A única questão em aberto nos dois lugares será a extensão de danos que Israel ainda precisará infligir para obter novos acordos de cessar-fogo.

Edward N. Luttwak é estrategista militar, consultor e pesquisador sênior no Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais em Washington