Título: Argentina estuda pagar antes sua dívida com FMI
Autor: Paulo Braga
Fonte: Valor Econômico, 13/12/2004, Internacional, p. A-9

A Argentina elaborou um plano para tentar pagar antecipadamente cerca de US$ 15 bilhões devidos pelo país ao FMI e vai tentar nesta semana obter o apoio da Espanha para colocar em prática a iniciativa. "Temos duas possibilidades. Uma é seguir cumprindo com os compromissos como fizemos até agora e em um prazo de três anos saldar a dívida. A outra é avançar com um plano de pagamento antecipado, que estamos analisando", disse o chefe de Gabinete, Alberto Fernández, ao jornal argentino "Clarín". Fernández e a primeira-dama argentina, Cristina Kirchner, embarcaram anteontem para Madri, onde terão nesta semana encontros com o premiê José Rodríguez Zapatero, com o rei Juan Carlos e com empresários. Fernández afirmou que "assim como em algum momento pudemos superar a bebedeira da inflação, agora é preciso superar a bebedeira do endividamento". O funcionário não deu detalhes de como seria efetuado o pagamento. De acordo com relatos da imprensa argentina, deixar de depender do Fundo Monetário Internacional se tornou uma verdadeira obsessão para o presidente Néstor Kirchner, que não quer que a condução econômica do país seja condicionada pelas metas estabelecidas com a instituição. Desde 2002, a Argentina já pagou cerca de US$ 9 bilhões ao FMI, e o acordo entre os dois foi suspenso em agosto deste ano, quando a Argentina disse que não se submeteria a uma revisão de metas porque sua prioridade era concluir a renegociação de sua dívida externa com os credores privados, que está em default desde dezembro de 2001. O governo pretende lançar no mercado a operação de troca de bônus no próximo dia 17, mas há dúvidas em relação ao cumprimento do cronograma, já que por enquanto o país ainda não conseguiu definir um banco para fazer a colocação dos títulos fora da Argentina. Uma das opções que está sendo estudada é usar as reservas do Banco Central para cancelar a dívida. O volume entesourado pelo BC está hoje em US$ 19,2 bilhões, mas há limites legais para a utilização do dinheiro, e por isso seria necessário modificar a Carta Orgânica da Instituição para poder dispor dos recursos. Especialistas também apontam o impacto negativo que pode ter a proposta durante o processo de renegociação da dívida em default. Segundo esta visão, seria contraditório pagar toda a dívida com o FMI ao mesmo tempo em que o governo alega não ter possibilidades de melhorar a proposta aos credores privados, que prevê um desconto de 75% em relação ao valor presente dos títulos. Embora Fernández tenha negado que o objetivo da viagem à Espanha seja pedir apoio para a idéia, ele e a primeira-dama devem apresentar em Madri a contrapartida argentina para uma possível ajuda do governo local. O governo fez alterações em um projeto que regula as empresas prestadoras de serviços públicos, cuja versão inicial foi considerada inaceitável pelas companhias por prever, entre outras coisas, que o Estado poderia cassar a concessão a qualquer momento e sem justificativa. Boa parte dessas empresas são espanholas, e o novo projeto deixa as regras menos duras e possivelmente abre espaço para reajustes tarifários.