Título: Ausência de novos sócios marca cúpula do Mercosul
Autor: Daniel Rittner, Raquel Landim e Ivana Moreira
Fonte: Valor Econômico, 16/12/2004, Brasil, p. A4

Em meio aos conflitos com os argentinos e às críticas do setor privado brasileiro, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, afirmou ontem que, embora haja uma percepção "crítica e até catastrófica" do bloco internamente, o Mercosul é "pujante" externamente. Na avaliação do ministro, são provas dessa força do bloco a "fila" de países dispostos a negociar um acordo de livre comércio com o Mercosul, como México e Canadá, e os novos membros-associados do bloco anunciados ontem: Venezuela, Equador e Colômbia. Chile e Bolívia já possuem o status. Mas a pujança descrita por Amorim não parece ter despertado grande entusiasmo entre os recém-associados. A tradicional foto da "família Mercosul", que encerra as reuniões de cúpula semestrais, não terá a participação de dois dos três novos integrantes. Os presidentes da Colômbia, Álvaro Uribe, e do Equador, Lucio Gutiérrez, já descartaram presença no encontro. Seus chanceleres, que naturalmente os representariam, também desistiram de participar. Todos alegaram problemas domésticos. Só o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que busca visibilidade no cenário internacional, participará. Gutiérrez chegou a confirmar sua ida à cúpula, mas voltou atrás no fim de semana. Ele vive um momento decisivo nos próximos dias, com a tentativa dos opositores de tirá-lo do poder. A delegação argentina também está chegando atrasada. Envolvido em compromissos nos EUA e na Alemanha, o chanceler Rafael Bielsa faltou ao primeiro dia da reunião e só chega hoje. Bielsa foi representado nas discussões por Alfredo Chiaradia, secretário de Comércio e Relações Econômicas Internacionais. O ministro da Economia da Argentina, Roberto Lavagna, só chega no fim do dia, acompanhando o presidente Néstor Kirchner. Martin Redrado, presidente do Banco Central argentino, também não participará da reunião hoje dos presidentes das autoridades monetárias do bloco. O Itamaraty recebeu o aviso da ausência do equatoriano no fim de semana. Entendeu a situação, mas não gostou. Coronel com discurso de esquerda e populista, Gutiérrez atravessa um momento tão delicado que foi obrigado a aliar-se a antigos opositores para sobreviver politicamente. A união inclui até um acordo com o direitista Álvaro Noboa, seu principal adversário nas eleições de dois anos atrás. A situação da Colômbia não difere muito. Sabendo da importância dada pelo governo brasileiro à expansão do Mercosul, o país andino enviou na terça uma carta ao Itamaraty pedindo adesão ao bloco. A chancelaria brasileira convidou Uribe, mas ele declinou. Sua ministra de Relações Exteriores, Carolina Barco, também recusou, alegando problemas internos. Amorim minimizou a ausência dos presidentes de Colômbia e Equador. "É natural, quando existe um acúmulo de reuniões internacionais. Há uma dificuldade de comparecimento", disse. Ele ressaltou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva também não compareceu à Cúpula Ibero Americana em São José. Para o ministro, todos os presidentes da América do Sul, com exceção de Gutierrez, terão comparecido ou a reunião da Comunidade Andina das Nações, em Cuzco, ou a Cúpula do Mercosul, em Ouro Preto. Amorim também negou que o atraso do chanceler argentino indique falta de interesse do país vizinho, após os últimos conflitos comerciais. "Certamente não há um esvaziamento. A delegação argentina estava muito bem representada. A Argentina teve uma participação ativa na reunião". A adesão dos três membros-associados é um desdobramento do acordo de livre comércio firmado entre o Mercosul e a Comunidade Andina. Sem um compromisso de progressiva eliminação das tarifas de importação, os vizinhos não podem negociar sua entrada no bloco liderado pelo Brasil. Na prática, entretanto, existem poucas obrigações para os membros-associados. Eles fazem parte do Foro de Consultas e Concertação Política do Mercosul, além de comprometer-se com a cláusula democrática que os desfilia automaticamente do bloco em caso de golpe de Estado. Mas as ações da política externa quase não passam pelos fóruns do Mercosul. Os próprios sócios plenos não conseguem se entender. A Argentina contraria a principal pretensão brasileira na área externa, de assumir vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU. O Uruguai não quis participar do G-20, a coalizão de países em desenvolvimento, que se aliaram às negociações agrícolas em Cancún. O Itamaraty lançou uma candidatura brasileira à direção-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), com potencial para atropelar o candidato uruguaio. E a idéia de iniciar discussões com a China esbarrou no Paraguai, que reconhece a independência de Taiwan e não têm relações diplomáticas com Pequim.