Título: UE não vai melhorar oferta de cotas para o Mercosul
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 17/12/2004, Brasil, p. A-6

A União Européia (UE) não planeja melhorar cotas agrícolas para o Mercosul, o que deve manter o impasse na negociação birregional. ´´Posso dizer com certeza que não vamos pagar duas vezes (ao Mercosul)´´, disse ontem a nova comissária agrícola européia, Mariann Fischer-Boel, em sua primeira visita à Organização Mundial do Comércio (OMC). Ela se referia a concessões tanto na negociação birregional como na Rodada Doha da OMC. Além de insistir que a UE só tem ´´um bolso´´ de onde tirar concessões, ela deixou claro que Bruxelas vai fazer de tudo para conseguir satisfazer seus exportadores interessados no Mercosul. A nova comissária confirmou que irá ao Brasil no dia 27 de janeiro para conhecer de perto a agricultura brasileira e estabelecer contatos com este que considera um "ator-chave" da Rodada Doha. Aos parceiros comerciais, a mensagem de Fischer-Boel durante uma entrevista coletiva foi de que a UE não aceitará mudança na "caixa verde" (onde entram os subsídios autorizados). Ela reconhece que "acesso ao mercado", ou seja, corte de tarifas, é o ponto mais complicado da negociação agrícola. Ao mesmo tempo, anunciou que vai continuar pressionando por proteção para indicações geográficas e questões não comerciais na agricultura (meio ambiente, bem-estar animal etc). A representante da União Européia e a própria OMC, ontem, também voltaram a pressionar para que o Brasil e outros países emergentes se comprometam com amplos cortes de tarifas de importação de bens industriais e de consumo, reduzindo assim a proteção de suas indústrias domésticas. ´´Não tem via única na negociação, o que fizermos em agricultura precisa ter resposta também em todos os setores na mesma velocidade´´, insistiu a nova comissária agrícola européia. Em um balanço da evolução das trocas internacionais, a OMC estimou que as tarifas de importação, mesmo sendo de apenas 4% em média no grupo das quatro grandes potências comerciais - EUA, União Européia, Japão e Canadá - têm "graves repercussões" sobre os parceiros comerciais. A OMC entende que isso vale também, em menor medida, para as tarifas aplicadas pelos quatro grandes países em desenvolvimento: Brasil, China, Índia e África do Sul. A sinalização da OMC a países como o Brasil é que devem se engajar mais em outras negociações e não só na agricultura, na Rodada Doha, até em razão da tendência de baixa do preço das commodities. Nos últimos dez anos, a forte baixa de preços dos produtos primários provocou uma enorme deterioração dos termos de troca para os exportadores agrícolas. Se isso continuar, exportadores como o Brasil deverão exportar mais e mais produtos agrícolas para obter o mesmo valor dos manufaturados e de serviços. O que a entidade dá a entender é que a Rodada Doha é, sobretudo, entre industrializados e emergentes, já que a grande maioria de seus membros, os mais pobres, tem pouco a oferecer. Uma indicação disso é que, pela conta da OMC, se os ricos derem livre acesso às exportações dos 49 países mais pobres, estes aumentariam suas vendas de 30 a 60%, o que não dá mais que US$ 2,5 bilhões. Em meio à parafernália de barreiras no comércio global, a OMC constata que as disputas trazidas à organização aumentam cada vez mais. Foram 317 casos em dez anos. Os industrializados foram os que mais utilizaram o sistema (204 casos). O Brasil é o país em desenvolvimento que mais se envolveu em disputa comercial (22 casos como reclamante e 12 como defensor, seguido de Índia (16 e 16) e Argentina (9 e 15). Coincidindo com a presença da comissária européia, a OMC divulgou um balanço da evolução do comércio global no qual dá alguns números comprovando os efeitos distorcivos das políticas agrícolas de países industrializados. Por exemplo, de cada US$ 100 ganhos por um agricultor japonês, US$ 58 vêm de subsídios. Na União Européia, eles equivalem a 37%, no Canadá, 21%, e nos EUA, 18%. Em 2003, os preços obtidos pelos agricultores dos países ricos foram superiores em 31% aos preços mundiais (comparado a 56% em meados dos anos 80). Ao mesmo tempo, o preço pago pelos consumidores era superior em 38%.