Título: Cenários para a Previdência Social
Autor: Fabio Giambiagi
Fonte: Valor Econômico, 20/12/2004, Opinião, p. A13

Em momentos em que se discute o rearranjo da coalizão para dar apoio ao presidente Lula na segunda metade do mandato, é importante que se tenha consciência do que está em jogo a longo prazo, e cuja viabilidade depende das medidas que forem (ou não) tomadas nos próximos anos. Partimos, na análise a ser feita a seguir, de duas premissas: a) o principal desafio colocado para o país, contrariamente ao que aconteceu nos últimos anos, não é mais o de como evitar uma grande crise, e sim o de como passar de uma economia hoje em condições, com a atual taxa de investimento, de ter um crescimento sustentado na faixa de 3 % a 4 % ao ano, para uma economia em condições de crescer no patamar de 4 % a 5 % ao ano; b) para que o objetivo de crescer a uma taxa maior seja viabilizado, é essencial ampliar o espaço para o investimento público, expresso como proporção do PIB. A resposta acerca da viabilidade de (b) dependerá, em parte, do que o país decidir fazer com o seu sistema previdenciário nos próximos 10 a 20 anos. Para avaliar isso, conjuntamente com os colegas Kaizô Beltrão, João Luis Mendonça e Vagner Ardeo, publicamos recentemente, pelo Ipea, o texto "Diagnóstico da Previdência Social no Brasil: o que foi feito e o que falta reformar?". Nele, avaliamos a relação entre as despesas previdenciárias do INSS e as de assistência social (LOAS e rendas mensais vitalícias) e o PIB, para seis diferentes cenários, modificando, em cada um dos casos, três elementos:

i) o crescimento anual do PIB, suposto em um caso de 3,0 %, e em outro de 4,0 %; ii) a regra de reajuste do salário mínimo (SM) e do piso previdenciário em termos reais, supondo em um caso estabilidade, e em outro uma variação igual à da renda "per capita"; iii) a realização ou não de uma ampla reforma da Previdência Social. Neste último caso, as hipóteses adotadas no trabalho, e cujo impacto é avaliado nos diferentes cenários, contemplam: 1) a adoção do princípio de uma idade mínima para aposentadoria e o seu aumento ao longo do tempo;

Cabe às lideranças políticas entender que algum sacrifício de popularidade é inevitável se quisermos o melhor para as gerações futuras

2) a redução da diferença de requisito de idade e de tempo de contribuição entre homens e mulheres, de 5 para 2 anos, ao longo de 15 anos; 3) o princípio de que a reforma a ser aprovada nos próximos anos não teria vigência imediata, para evitar ferir a expectativa de direitos imediatos, começando a vigorar apenas em 2010; 4) a adoção do princípio do gradualismo, pelo qual as mudanças seriam feitas aos poucos, completando-se em 2020. No trabalho, são avaliados os efeitos da reforma até 2030. Nos cenários A a C, o crescimento anual é de 3 %, e nos cenários D a F, de 4 %. Nos cenários B e E, adota-se a hipótese de reforma, e nos cenários C e F, de variação real do piso previdenciário igual à da renda "per capita". Observe-se que, se o PIB crescer apenas 3 % ao ano, não há como o peso do INSS e das despesas de LOAS e RMV não aumentarem ao longo do tempo, na ausência de reformas. O fato é natural, considerando que a população de beneficiados estaria crescendo acima do PIB e que, após a redução do seu crescimento nos últimos anos - causada pela antecipação de muitas aposentadorias antes de 1999 - as aposentadorias por tempo de contribuição, proporcionalmente mais caras, voltariam a liderar o aumento do contingente de benefícios. Já nos casos em que se admite, por hipótese, que o PIB possa crescer 4 % ao ano, conclui-se que o país poderia se dar ao luxo de não fazer nenhuma reforma, uma vez que entre 2004 e 2030 o peso das despesas em questão até poderia cair ligeiramente, desde que não haja aumentos reais do piso previdenciário. Se este acompanhar a renda "per capita", as despesas continuariam aumentando. Resta saber, porém, como seria possível ao país crescer nessa velocidade sem uma reforma que pavimente o espaço para uma maior ampliação dos investimentos. A comparação mais relevante que cabe fazer é entre os cenários C (sem reforma previdenciária, com crescimento do PIB de 3 % ao ano e variação do piso igual à renda "per capita") e E (com reforma, crescimento do PIB de 4 % e variação real nula do piso). Em 2004, a despesa previdenciária e assistencial deverá ser de 7,8 % do PIB - 7,2 % e 0,6 % do PIB, respectivamente. Em 2030, no cenário C, ela aumentaria para 10 % do PIB, e no cenário E diminuiria para 5,6 % do PIB. Ou seja, no primeiro caso, seria necessário, ao longo do tempo, colocar em risco a austeridade fiscal e/ou aumentar a carga tributária ou a dívida ou, alternativamente, comprimir o espaço das demais despesas do governo. Já em um cenário com reforma e sem pressão sobre o piso previdenciário, que viabilize a obtenção de um crescimento mais rápido, teríamos exatamente o contrário, ou seja, a possibilidade de utilizar essa folga fiscal para diminuir os impostos e ampliar o espaço do investimento público. É preciso que, ao longo dos próximos anos, os sucessivos governos sejam conscientes de que em nenhum lugar do mundo reformas previdenciárias são populares. Cabe às lideranças políticas com visão de longo prazo entender que há temas em que algum sacrifício de popularidade é inevitável se quisermos o melhor para as gerações futuras. Esse é talvez o maior desafio que o país terá pela frente nos próximos 10 a 20 anos.