Título: Pacote ignora medidas polêmicas
Autor: Ribeiro, Alex
Fonte: Valor Econômico, 06/09/2006, Finanças, p. C1

O governo anunciou ontem um pacote de seis medidas que visam a aumentar o poder de barganha dos clientes junto aos bancos e, assim, reduzir os juros e os spreads bancários a pessoas físicas.

Algumas das medidas ainda devem ser detalhadas e ampliadas nos próximos dias, mas, pelas linhas gerais apresentadas ontem, o pacote deixou de mexer em alguns dos pontos que mais tinham resistências dos bancos, como liberdade plena para trabalhadores escolherem em que instituição vão receber salário ou ampla faculdade de renegociar empréstimos consignados. "São medidas revolucionárias porque acabam com a reserva de mercado dos bancos", disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega.

Uma das medidas que despertavam mais expectativa era a que daria liberdade ao trabalhador para escolher em que banco vai receber o salário. O governo decidiu fazer uma flexibilização apenas parcial, tornando mais fácil aos trabalhadores transferir seus salários para outros bancos. "Seria causado um problema de custo para as empresas, sobretudo as pequenas, se elas fossem obrigadas a depositar salários em 20 ou 30 bancos diferentes", justificou o presidente do BC, Henrique Meirelles.

O caminho adotado foi tornar obrigatória a criação conta salário para depósitos de vencimentos dos trabalhadores, seja da iniciativa privada ou do setor público. Os bancos deverão abri-las até o dia 1º de janeiro de 2007. Antes, a abertura da conta salário era facultativa e, na prática, pouco usada. Na conta salário, não incidem tarifas bancárias nem CPMF. Em compensação, o trabalhador tem apenas cartão de saque dos recursos e não pode, por exemplo, usar cheques ou cartão de débito.

Também está sendo criada um instrumento que vai permitir a transferência automática dos valores depositados na conta salário para uma conta bancária tradicional. O cliente dará uma ordem permanente e genérica para, nas datas de pagamento de salário, o banco transferir, da conta salário para uma conta tradicional, todos os valores depositados pela empresa. O dinheiro tem de estar disponível na conta bancária do trabalhador no mesmo dia.

A obrigatoriedade de abertura de contas salários, porém, não se aplica aos convênios assinados até agora por bancos e empresas ou com o setor público. Bancos vinham pressionando o governo para não mexer nos convênios vigentes. Eles sustentam que adquiriram das empresas o direito de manter a folha de pagamento - e não querem perder esse investimento. A Fazenda diz que deixou essa questão em aberto. Pretende regulamentá-la mais adiante. "Existem questões legais que devem ser mais bem examinadas", justificou Mantega.

Outra medida que avançou menos que o esperado é a criação da portabilidade do crédito. A medida significa que o cliente que contratou crédito com juros mais altos em uma instituição poderá se dirigir a outra e contratar outra operação, com taxas mais baixas. Em tese, essa opção já existia, mas havia algumas barreiras ao seu pleno exercício.

Uma delas eram as tarifas para pagamento antecipado de dívida. Nos contratos de financiamento, o banco dizia que a tarifa era aquela definida na tabela de tarifas, que pode ser mudada a qualquer momento para valores proibitivos, desde que comunicada com 30 dias de antecedência. Outro obstáculo eram as dificuldades operacionais, como fixar que o pagamento antecipado teria de ser feito numa agência de difícil acesso, com atendimento precário. Uma terceira barreira eram os tributos - a CPMF e o IOF nas operações.

A partir de agora, a tarifa deverá ser definida nos contratos, caindo progressivamente, conforme restam menos parcelas do empréstimo a serem pagas. Outra novidade é que um banco poderá quitar a dívida diretamente junto ao outro, sem a necessidade de o cliente se dirigir a agências. Mantega disse que será editada uma MP que isenta o pagamento de CPMF e de IOF nas operações. O problema é que os benefícios valem apenas para contratos novos - nos antigos, apenas a tarifa de refinanciamento de dívidas e o pagamento de tributos ficaram isentos.

As regras da portabilidade só vão valer, pelo menos por enquanto, para o chamado crédito livre, excluindo os financiamentos imobiliários e o crédito consignado. Mantega diz que o assunto ainda vai ser discutido. Bancos vinham impondo resistências à portabilidade desses dois tipos de financiamento. No caso do consignado, a queixa é que bancos pequenos e médios, que fizeram empréstimos com altas taxas, podem ser fragilizados caso percam suas carteiras. A portabilidade do crédito imobiliário atinge sobretudo a Caixa Econômica Federal.

Também foi aprovado um sistema mais imediato de portabilidade de ficha cadastral dos bancos. Todos os clientes têm cadastros nas instituições financeiras. A legislação já permitia que as informações fossem levadas pelo cliente de uma instituição para outra. Agora, o cliente não precisará mais pegar o cadastro de um banco e levar a outro. O banco poderá requisitar os dados diretamente, se autorizado pelo cliente.

O governo também vai regulamentar, por meio de uma MP, o chamado cadastro positivo. No Brasil, a tradição é existir apenas cadastros com dados negativos, como o não pagamento de empréstimos. A idéia é que dados positivos, como a pontualidade no pagamento, sejam armazenado em bancos de dados. A medida facilitará às instituições reconhecer bons pagadores e oferecer juros mais baixos a eles.

Já existe no Congresso um projeto que cria o cadastro positivo, mas interesses corporativos estão impedindo o avanço da proposta. O governo vê na MP um instrumento mais ágil. É verdade que poucas empresas estarão dispostas a investir na formação de cadastros positivos que têm como base legal uma MP, instrumento bastante instável, que pode mudar. Mantega aposta que, com a MP, o assunto poderá se tornar prioritário na pauta do Congresso, tornando-se lei em pouco tempo.

Também foi anunciada a progressiva ampliação dos valores inscritos na Central de Risco de Crédito (SCR) do BC, dos atuais R$ 5 mil para R$ 3 mil em março de 2007; e R$ 1 mil em dezembro de 2007. A mudança significa que os bancos terão mais informações sobre os clientes, podendo oferecer taxas mais baixas aos bons pagadores. "Os principais favorecidos serão os clientes de renda mais baixa", diz texto distribuído pela Fazenda, que explica a proposta.

Não deixa de ser um avanço, mas, na realidade, o grosso da clientela do sistema bancário ainda ficará fora do SCR. Pelos dados apresentados pelo BC, 58% dos clientes do sistema financeiro pegam empréstimos até R$ 999,99. Enquadram-se nessa situação nada menos do que 51 milhões de clientes, num universo de 89 milhões. Do total de operações contratadas no sistema, 41% estão nessa faixa mais baixa.

Outra medida anunciada ontem foi a ampliação do seguro depósito pago pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC). Hoje, a indenização no caso de quebra de bancos é de R$ 20 mil por CPF, incidente sobre depósitos à vista, a prazo, em caderneta de poupança, em contas investimentos e em aplicações em letras de câmbio, imobiliárias, hipotecárias e de crédito imobiliário. O limite subirá para R$ 60 mil por CPF, e o seguro se aplicará também para contas de crédito de salários, vencimentos, aposentadorias, pensões e similares.

Dentro do FGC, a medida que poderá ter algum impacto positivo nos spreads bancários é a redução à metade da contribuição que os bancos fazem a essa entidade. Cairá de 0,3% para 0,15% a alíquota anual paga pelos bancos ao FGC, incidente sobre os depósitos garantidos pelo seguro.

A economia para os bancos é estimada em R$ 850 milhões por ano, e a expectativa do governo é que o ganho seja repassado pelos bancos para os spreads.

O governo, segundo Mantega, deverá anunciar medidas nos próximos dias, entre elas as que tratam do crédito consignado no crédito imobiliário e que criam os juros prefixados no Sistema Financeiro da Habitação (SFH).