Título: Anatel quer resolver este ano o que é bem reversível
Autor: Borges ,André
Fonte: Valor Econômico, 05/01/2012, Especial, p. A13

A agenda do novo presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), João Batista de Rezende, vai passar por temas espinhosos, como a questão dos bens reversíveis das concessões de telefonia, um assunto do qual o governo tem se esquivado, mas que passou a exigir ações concretas, sob risco de se transformar em verdadeira bomba-relógio para o setor no futuro.

Rezende, que foi chefe de gabinete do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão durante o comando de Paulo Bernardo - atual ministro das Comunicações, que o conhecia do Paraná -, se diz pronto para entrar no debate.

Os bens reversíveis são o patrimônio que a União passou para as mãos das operadoras de telefonia em 1998, quando privatizou o setor. O que foi concedido, na ocasião, são os serviços de voz por telefonia fixa. Ocorre que, com a queda constante desse serviço frente ao avanço do celular e da comunicação via internet, teme-se que em 2025, quando vencem as concessões, não haja muito o que devolver para a União.

"Vamos disciplinar, definitivamente, o que é bem reversível, por meio de um regulamento que está em fase de conclusão", diz Rezende, que chegou ao posto referendado pela indicação de Bernardo.

Economista, com 48 anos de idade, diz que será preciso fazer uma série de mudanças no marco regulatório do setor e defende uma atuação mais livre das operadoras junto ao consumidor. Para Rezende, que já foi membro do conselho de administração da Transpetro e presidente da operadora Sercomtel, no Paraná, o setor funcionaria melhor se contasse com um Operador Nacional de Rede de Telecomunicações, da mesma forma como acontece no setor elétrico, que é monitorado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).

Sobre a realização dos leilões de faixas de frequência para este ano, o presidente da Anatel afirma que a oferta da faixa 2,5GHz (quarta geração da telefonia celular, destinada aos grandes centros urbanos), será realizada no mesmo dia em que for feita a venda da faixa de 450 MHz, voltada para o atendimento à zona rural. "Sabemos que a faixa de 450 MHz é custosa para quem for investir, mas tudo depende das condições que forem colocadas. Se não aparecer nenhum interessado, será oferecida com o leilão do 2,5GHz", explica.

A pauta de Rezende também envolve medidas para destravar o acesso aos serviços de operador móvel virtual. No ano passado, a Anatel liberou a criação dessas operadoras virtuais, em que empresas de qualquer área podem contratar a rede das teles para oferecer serviços. Projetava-se uma forte demanda de companhias, como bancos e redes de varejo, mas a verdade é que até agora apenas cinco empresas demonstraram interesse por conta de fatores como a duplicidade de cobrança de impostos entre operadora e empresa, o que aumenta o valor cobrado do consumidor final.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Quando o serviço de banda larga prestado no Brasil deixará de ser caro e de baixa qualidade?

João Batista de Rezende: A qualidade requer investimentos, que serão feitos. Acredito que os maiores interessados nisso são as operadoras, que estão preocupadas em não perder o cliente para o concorrente. Nós conseguimos aprovar no ano passado o regulamento de qualidade para os serviços de internet. Esse texto estabeleceu a base mínima para o serviço que deve ser oferecido. Neste ano será feita uma pesquisa por amostragem em cada Estado. Haverá uma empresa independente, que será contratada para fazer essa medição de qualidade de serviço nas empresas. Será um trabalho constante, com índices de qualidade divulgados mensalmente. Daqui a seis meses, teremos um ranking das melhores prestadoras de serviços de banda larga. A Anatel vai supervisionar tudo isso de perto e, no fim de 2012, dará início aos processos de multa. Vamos passar por uma etapa de amadurecimento do setor como um todo.

Valor: No ano passado, a Anatel liberou a criação de operadoras virtuais, para que empresas de qualquer área possam contratar a rede das teles para oferecer serviços. Havia grande expectativa sobre esse serviço. Por que ele não foi para frente?

Rezende: Temos hoje cinco empresas com pedidos de operador de rede virtual móvel já aprovados pelo conselho. Será um crescimento paulatino. A falta de interesse até agora é resultado, basicamente, do imbróglio tributário que envolve a oferta do serviço. Hoje há duas formas de ser operador virtual: o aluguel da infraestrutura da tele ou o contrato para compra de minutos. No primeiro caso, o serviço exige um certo conhecimento técnico do operador virtual, já que ele assume a gestão daquele serviço, um conhecimento que muitas empresas não têm. No caso dos minutos, o acesso ao serviço é direto, mas há o problema de dupla tributação. A tele e a operadora virtual têm que pagar ICMS, PIS e Cofins, o que encarece o serviço para o consumidor. Esse assunto está em análise pelo Confaz [Conselho Nacional de Política Fazendária]. Vamos encontrar uma saída para essa questão.

Valor: O preço dos serviços de telefonia deve cair?

Rezende: A tendência é de queda. Veja que conseguimos aprovar novos critérios para baixar o valor da tarifa de ligações feitas de telefone fixo para o celular. Esse tipo de ligação tinha um custo muito alto. Até 2013, vamos reduzir o custo do minuto dessas ligações para R$ 0,31, o que significa uma queda real de 25% para o consumidor. Hoje, esse custo é de R$ 0,41. Essa redução, que será gradual, representa um impacto de R$ 5 bilhões por ano na receita das operadoras, mas eu acredito que esse valor não será perdido pelo setor. A tendência é que o consumidor contrate outros pacotes de serviços e que haja uma compensação. Esse dinheiro não vai sair do mercado das teles.

Valor: O que deve ser feito para aumentar a competição entre as operadoras?

Rezende: Nós estamos razoavelmente bem consolidados com a oferta de serviços no varejo, embora precise aumentar ainda mais. Nosso problema hoje é o atacado, que trata da questão do compartilhamento de infraestrutura. Esse assunto é vital para o país, por isso o governo está elaborando uma medida provisória, que deve sair neste ano, para obrigar o compartilhamento de estruturas como dutos, postes e canaletas. Vamos garantir o direito de passagem. Haverá obrigatoriedade de compartilhamento dessas estruturas.

Valor: Hoje não há regra para esse compartilhamento?

Rezende: Há dificuldades. Se a empresa que detém a infraestrutura não quiser abrir espaço, ela não abre. Nossa ideia é que toda obra que envolva recurso público seja aberta. Isso envolve empresas de energia e rodovias, por exemplo. Quem já estiver na estrutura será obrigado a negociar. Atualmente, essa negociação até acontece, mas não há regras claras, o que inibe o investidor. Vamos dar mais transparência para o relacionamento entre aqueles que detêm a estrutura e aqueles que querem entrar nela.

Valor: E como fica o compartilhamento da rede de telecomunicações?

Rezende: Isso faz parte do plano geral de metas de competição, que será regulamentado neste semestre. Além disso, nós incluímos neste plano a criação de um tipo de câmara setorial, com representantes de cada empresa, para participar dessas discussões. Esse tipo de organização já existe hoje para administrar processos como o da portabilidade numérica. As teles financiam essa entidade, que funciona de forma independente da Anatel.

Valor: Um tema sensível para a agência é a questão dos bens reversíveis das concessões de telefonia. Como ele será tratado?

Rezende: Vamos disciplinar, definitivamente, o que é bem reversível, por meio de um regulamento que está em fase de conclusão. Não podemos fugir de nossa responsabilidade de dar mais transparência para essa questão, mas acho que há um segundo debate importante para fazermos dentro desse assunto.

Valor: Qual?

Rezende: Pessoalmente, acredito que é preciso repensar o marco regulatório das telecomunicações, uma discussão que, obviamente, passa pelo governo e pelo Congresso. Observe que o único serviço público concedido que existe hoje é o de voz por telefonia fixa. É isso que foi dado às operadoras, quando ocorreu a privatização. Os serviços de banda larga e telefonia móvel são autorizações privadas. Acontece que a voz por rede fixa tem sofrido uma forte desvalorização. E sejamos honestos: o cenário das telecomunicações será radicalmente diferente em 2025, quando vencem as concessões. Imagine se uma operadora, por exemplo, decidir migrar toda a sua base de clientes de voz em telefonia fixa para trafegar por meio da internet. O que seria repassado ao Estado quando vencer a concessão, se o que ele concedeu foram redes de telefonia fixa, e não internet? A reversibilidade se tornou um problema para o Estado.

Valor: A internet não poderia ser tratada como um serviço público?

Rezende: Há uma discussão sobre trazer o que é de regime privado para o público. Há pessoas que defendem a ideia de que tudo seja transformado em bem reversível, mas na realidade isso faria o investimento cair, porque o mercado não seria estimulado a colocar dinheiro em algo que teria de entregar depois. Como economista, creio que não é o melhor caminho. É preciso buscar uma alternativa que leve em consideração os insumos para a prestação dos serviços de telecomunicações. Esse é um debate que precisa ser travado dentro do governo. Essas mudanças no marco regulatório devem incluir uma ação mais centralizada na gestão das redes.

Valor: O que isso significa, exatamente?

Rezende: A Anatel tem que controlar menos o varejo e passar a se voltar mais para o atacado. Incrivelmente, o que está acontecendo hoje é que nós estamos voltados para o varejo sem ter uma ação centrada nos insumos, que é a infraestrutura vital das telecomunicações.

Valor: Qual seria, então, esse modelo ideal?

Rezende: Ainda estamos discutindo. Penso que o futuro das telecomunicações passa pela criação de uma entidade que cuide especificamente da gestão das grandes redes das operadoras. Essa instituição teria um papel parecido com o que o ONS [Operador Nacional do Sistema Elétrico] tem no setor elétrico. Seria um tipo de Operador Nacional de Rede de Telecomunicações, que funcionaria paralelamente à Anatel.

Valor: Essa proposta está em análise pelo governo?

Rezende: Por enquanto é uma defesa minha, que levarei ao ministro [das Comunicações] Paulo Bernardo.

Valor: Quais as expectativas do sr. para o leilão da 4ª geração?

Rezende: Vamos cumprir integralmente o decreto presidencial, que prevê a publicação do edital do leilão de 2,5 GHz [gigahertz] até 30 de abril. Votamos o texto neste mês, depois ele segue para consulta pública.

Valor: Quais condições serão impostas aos vencedores do leilão?

Rezende: Nossa preocupação inicial está concentrada em atender bem às 12 cidades-sede da Copa. Depois, serão atendidos os demais municípios. Essa faixa de frequência prevê aumento de capacidade de tráfego de dados, por isso vamos fazer com que as empresas se comprometam a construir redes de grande distância [backbone] para ofertar os serviços. Estamos com uma boa expectativa, o mercado brasileiro é hoje extremamente atrativo e, além disso, o espectro é um bem limitado. Essa é uma das últimas faixas disponíveis.

Valor: E quanto ao leilão da faixa de 450 MHz, que atende à zona rural?

Rezende: Vamos fazer a oferta dessa faixa no mesmo dia do leilão do 2,5 GHz. Sabemos que a faixa de 450 MHz é custosa para quem for investir, por conta da baixa densidade de população em certas regiões do país, mas tudo dependendo das condições que forem colocadas. Pode ser que apareçam interessados. Se não aparecer nenhum, ela será oferecida com o leilão do 2,5GHz.

Valor: Apesar dos problemas previstos de interferência, quando a Anatel vai conseguir licitar a faixa 3,5 GHz? Este ano ainda sai?

Rezende: Estamos trabalhando para isso, mas não vamos misturar com o 2,5 GHz. Publicaremos o edital um pouquinho depois. O 3,5 GHz é uma faixa muito maior, que deve ser usada para Wi-fi, basicamente. Quanto à interferência nas antenas parabólicas, parece que os problemas já estão sendo resolvidos entre a agência, o CPQD e o setor de radiodifusão.

Valor: O que deve ocorrer este ano no setor de TV a cabo, depois da sanção em 2011 da lei que unificou o setor de TV por assinatura no país?

Rezende: O Congresso Nacional finalmente resolveu a situação e a aprovação se deu na direção de tudo aquilo que esperávamos. Temos um regulamento aprovado e que ficará em consulta pública até 5 fevereiro. Achamos que a partir de abril podemos dar as primeiras outorgas de TV a cabo. Agora, não tem limite mínimo de cobertura, que era um problema em cidades maiores. Se uma operadora quisesse fazer uma TV a cabo só na Rocinha, não iria obter a licença porque teria que fazer no Rio de Janeiro inteiro. Agora, levamos em consideração que a TV a cabo é um serviço privado, em que o interessado precisa apresentar apenas um projeto técnico mínimo e pagar R$ 9 mil. Se ele quiser fazer e quebrar a cara é uma decisão privada. Se entrar no negócio, vai ver que não é barato fazer uma empresa de TV a cabo. Além disso, será obrigado a fazer o carregamento dos canais e cumprir todas as outras obrigações que a lei determina.

Valor: Quantas outorgas devem ser concedidas?

Rezende: Temos 600 pedidos de empresas que estavam esperando uma definição. Agora ela saiu. Acreditamos que, se 20% desses realmente pedir a outorga, será uma vitória importante.