Título: Bate-boca entre ministros
Autor: Campos, Ana Maria; Abreu, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 23/09/2010, Cidades, p. 31

Tese do presidente do Supremo a respeito de suposta falha na tramitação da Lei da Ficha Limpa gerou uma ríspida troca de farpas e argumentos jurídicos entre os membros da Corte durante o julgamento do recurso de Joaquim Roriz

Famoso por ser um tribunal de debates elegantes e de manifestações sutis das divergências, o plenário do Supremo Tribunal Federal foi ontem palco de uma discussão acalorada e de trocas de argumentos ríspidos. Após a apresentação do voto do relator, Carlos Ayres Britto, a favor da aplicação da Lei da Ficha Limpa nestas eleições, o presidente do Corte, Cezar Peluso, levantou uma questão polêmica e não prevista para a sessão da tarde de quarta-feira. O ministro destacou uma suposta falha na aprovação da Lei Complementar nº 135 no Senado Federal. Segundo Peluso, os tempos verbais das alíneas foram alterados pelos senadores e, por isso, o projeto deveria seguir para uma nova votação na Câmara dos Deputados, o que não aconteceu. Evidentemente, as mudanças não podem ser consideradas emendas de redação, afirmou.

Peluso disse ter ficado perplexo em virtude dessa hipótese não ter sido levantada nas análises feitas anteriormente pelos ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a lei. Ele destacou que as alterações no conteúdo de um projeto por uma das casas do Congresso Nacional devem ser remetidas à outra para uma nova apreciação. Como isso não ocorreu, a norma deveria ser invalidada. A emenda do senador Francisco Dornelles (PP/RJ) mudou a conjugação dos verbos do pretérito perfeito para o futuro do subjuntivo, ou seja, onde existia os membros do Congresso Nacional que tenham renunciado a seus mandatos foi alterado para os que renunciarem. Não se trata apenas de questão de português, de vernáculo, afirmou o presidente.

Ricardo Lewandoswski, que preside o Tribunal Superior Eleitoral, disse ter consultado especialistas sobre o caso e encontrado duas interpretações: a lei só poderia ser aplicada em casos futuros, mas também poderia englobar todos que cometeram os atos previstos. Esta última análise estava mais próxima do espírito da lei. As emendas só buscaram harmonizar os tempos verbais, argumentou Lewandoswski. O texto da Câmara já estava uniformizado, rebateu Peluso.

Inconstitucionalidade Para o presidente da corte, os ministros têm de analisar a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa no que se refere à mudança de texto feita no Senado. Entretanto, essa análise não havia sido reclamada pela defesa de Joaquim Roriz (PSC). Segundo Pedro Gordilho, advogado do ex-governador, a norma é legítima, mas o Supremo deve rever a aplicação dela para casos passados, atendendo os princípios da anualidade e da irretroatividade(1). Estamos em sede de recursos. Nenhuma ação de inconstitucionalidade foi proposta nesta casa. O texto não sofreu qualquer modificação no seu sentido original, levantou Lewandoswski.

Se a lei de iniciativa popular for declarada inconstitucional, como indicou o presidente, ela não poderá ser aplicada em nenhum caso e será necessária uma nova tramitação do texto no Congresso Nacional. As leis não podem ser feitas de qualquer jeito, frisou o presidente do STF. O Supremo só pode julgar o caso se for provocado. Um juiz não pode agir de ofício, argumentou o presidente do TSE. Segundo Peluso, o assunto deve ser debatido no mérito do recurso extraordinário, mas outros ministros defendem uma discussão preliminar em uma questão de ordem.

Por enquanto, cinco magistrados deram a entender que são contra a possibilidade de o Supremo apreciar a alteração feita no texto do projeto Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Cármem Lúcia, Lewandowski e Marco Aurélio Mello. O Supremo não pode inaugurar de ofício uma ação direta de inconstitucionalidade, disse a ministra Cármem. Marco Aurélio Mello, que é contrário à aplicação da lei complementar, concorda que o fato trazido por Peluso não deve ser analisado pela Corte: Não enfrentamos essa causa, que é autônoma. Estamos complicando o julgamento.

Quando os ânimos ficaram mais exaltados devido à discussão do tema, Ayres Britto fez uma declaração sobre a proposta do presidente que fez os próprios ministros sorrirem. Parece um salto triplo carpado hermenêutico, disse o relator. Isso é muito interessante do ponto de vista publicitáro, mas não do ponto de vista jurídico, retrucou Peluso.

1 - Garantias De acordo com o artigo 16 da Constituição Federal, as leis que alterarem o processo eleitoral devem ser aprovadas um ano antes das eleições. Em outro ponto, a Carta Magna garante que nenhuma norma pode retroagir para prejudicar o réu, apenas para beneficiá-lo.

O número 5.971 Urnas serão lacradas pelo TRE-DF para as eleições de 3 de outubro

Discussão suprema

Veja algumas declarações dos ministros do STF durante a discussão da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa levantada pelo presidente do tribunal

# Cezar Peluso (presidente): As leis não podem ser feitas de qualquer jeito (sobre uma suposta falha na criação da norma em debate). # Ricardo Lewandowski: E o juiz não pode agir de ofício (em resposta ao presidente da Corte). # Celso de Mello: O Congresso Nacional não pode tudo (sobre a criação das regras de inelegibilidade). # Carlos Ayres Britto: Parece um salto triplo carpado hermenêutico (também sobre a proposta). # Cezar Peluso: Isso é muito interessante do ponto de vista publicitáro, mas não do ponto de vista jurídico (em resposta a Britto). # Cármem Lúcia: O tribunal vai inaugurar aqui uma ação direta de inconstitucionalidade (ao questionar o rumo do debate proposto por Cezar Peluso). # Joaquim Barbosa: O tribunal não pode decidir sobre a inconstitucionalidade, o que se propõe é dar esse salto num processo objetivo. # Marco Aurélio Mello: Estamos complicando o julgamento. # José Antonio Dias Toffoli: Eu vou ser obrigado a pedir vista.

Confronto na Praça dos Três Poderes Luiz Calcagno Roberta Machado

A suspensão do julgamento do recurso de Joaquim Roriz (PSC) contra a impugnação de sua candidatura ao Governo do Distrito Federal frustrou as centenas de manifestantes concentrados na Praça dos Três Poderes, em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde ocorreu a sessão. Policiais militares tiveram trabalho para conter militantes pró e contra o ex-governador, que chagaram a trocar agressões físicas em uma área de segurança nacional. Garrafas e copos plásticos, latas de refrigerante e ovos foram lançados de ambos os lados. Havia cerca de 300 apoiadores de Roriz contra 90 militantes de partidos de esquerda e do movimento Roriz Nunca Mais.

Os militantes rorizistas preparavam uma festa, acreditando em uma decisão favorável ao candidato. Vestidos de camiseta azul e empunhando bandeira da mesma cor, desembarcaram de de oito ônibus na praça. Eles vieram de todos os cantos do DF, transportados por veículos fretados das empresas Veneza, Viplan, Planeta, Cidade Brasília e Alternativa com as marcas cobertas por cartazes. As grades colocadas pela PM e a segurança do STF para dividir os grupos não os contiveram. Simpatizantes de Roriz deram a volta nas cercas para xingar e até agredir os adversários.

Com uma camiseta preta do Movimento Roriz Nunca Mais, bandeira do Brasil amarrada nas costas e o rosto pintado nas cores verde e amarelo, o servidor público Sérgio Alexandre Rodrigues, 29 anos, disse ter levado um tapa na cara de um dos rorizistas. Isso aconteceu depois que gritei no meu megafone: Roriz, de novo enganando o povo. Um deles pulou a grade e veio para cima de mim. Atordoado, ele pediu ajuda a um dos PMs no local. Se afasta da galera azul, senão vai dar problema, respondeu o militar, ao lado da equipe do Correio. Após o ocorrido, ele foi escoltado pela PM para sair do local.

Os manifestantes contrários a Roriz não passaram de 100 ao longo da sessão iniciada por volta das 14h30. Eram integrantes do Movimento Roriz Nunca Mais, do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UnB e de partidos de esquerda. Não podemos desistir. Acredito na derrota de Roriz, afirmou o comerciante Rodolfo Hoth, 36 anos, morador de Taguatinga e militante do PSol.

Xingamentos Com a tensão entre os manifestantes, a Polícia Militar enviou reforço. Por volta das 16h, com a sessão no STF em andamento, chegaram outros três micro-ônibus da PM. Os veículos foram colocados no meio da Praça dos Três Poderes, formando uma espécie de muro entre os dois grupos rivais. Mas isso não evitou os xingamentos. A PM esperava até 2,5 mil manifestantes. Por isso, deslocou um total de oito ônibus, seis carros, seis motos e ficou com a cavalaria e o Batalhão de Operações Especiais (Bope) em prontidão, além de usar grades de ferro como barreiras. A corporação, porém, não divulgou o contingente de soldados enviados ao local.

Os militantes de Roriz também estavam esperançosos. O cozinheiro Luiz Antônio Campos, 22 anos, morador do Jardim Botânico, crê na vitória de Roriz, mas analisa alternativas. Acredito que o Roriz ganha as eleições, mas caso ele tenha que sair do páreo, meu voto vai para o Brandão, disse.

Até o TRE-DF interferiu nas manifestações. Por volta de 18h, dois servidores da comissão de fiscalização de propaganda eleitoral do órgão fotografaram e recomendaram que militantes recolhessem qualquer tipo de propaganda partidária. O motivo é que a área é proibida para esse tipo de manifestação. Somente os integrantes do Roriz Nunca Mais mantiveram a faixa, por não levarem a sigla de nenhum partido.

Suspensa a sessão, mais confusão. Com o pedido de vista, ambos os lados começaram a trocar ofensas. A gritaria evoluiu para o arremesso de objetos, como garrafas dágua e copos plásticos, latas de refrigerante e ovos. Um integrante do grupo dos partidos de esquerda chegou a jogar uma bomba de efeito sonoro conhecida como cabeção e militantes do Roriz, por sua vez, lançaram fezes de cavalo nos rivais.