Título: O mapa da paz inclui Damasco
Autor: Brok, Elmar e Hybaskova, Jana
Fonte: Valor Econômico, 29/08/2006, Opinião, p. A15

Países poderosos sabem que é perigoso aparentar vacilo, pois os inimigos se animam e os joelhos dos aliados começam a tremer. Uma grande potência também sabe que se ela se lançar em uma aventura militar sem estabelecer objetivos alcançáveis poderá se meter em sérios problemas. O que vale para as grandes potências é verdade em dobro para a conturbada Israel, que não conseguiu demolir o poderio do Hezbollah sobre o Líbano. O fracasso da guerra do Líbano, porém, ainda poderá oferecer uma abertura para a paz, se Israel for corajosa o suficiente para aproveitá-la.

O mundo tem dois objetivos essenciais para a região compreendida entre o Cairo e Teerã: manter a paz no Oriente Médio expandido para que o petróleo jorre livremente através do Golfo Pérsico; conduzir a disputa entre israelenses e palestinos na direção de acordo que garanta a segurança de Israel nas suas fronteiras internacionalmente reconhecidas, e que ao mesmo tempo satisfaça as legítimas aspirações do povo palestino a seu próprio Estado. Os dois temas há muito estão vinculados, porém o vínculo principal agora é o presidente Bashar al-Assad, da Síria.

Isolada e desesperada por aliados, a Síria esteve ajudando o Irã na sua busca por hegemonia regional. Desde que a Revolução dos Cedros expulsou a Síria no ano passado, os sírios vêm tentando trazer o Líbano de volta à sua esfera de influência. Ele apóia o Hezbollah - e ajuda o Irã a lhe enviar armas - por que as tropas do xeque Hassan Nasrallah mantêm o governo em Beirute debilitado. Os sírios também gostam de se apresentar como os últimos reais defensores árabes da causa palestina.

Resumindo, a Síria, com sua posição geográfica, seus vínculos e armas iranianos e seu brutal regime Ba´athista, se transformou numa peça estratégica dos acontecimentos entre o Mediterrâneo e o Golfo. Para proteger o Líbano e para trazer o Hamas à mesa de negociações com Israel, será com a Síria que Israel e os EUA precisarão lidar, de uma forma ou outra.

A posição e os interesses da Síria deveriam torná-la receptiva a um acordo. Certamente a Síria ainda acredita em uma "Grande Síria" e jamais aceitou plenamente a soberania libanesa. A inteligência e as tropas sírias - presentes no Líbano desde 1976 - foram obrigadas a sair em 2005, e somente depois de enorme pressão internacional. Além disso, US$ 1 bilhão foi perdido em receitas de contrabando no ano passado, cuja maior parte fluía anteriormente para as forças armadas sírias. Muitos foguetes do Hezbollah que se abateram sobre Israel traziam as marcas do Ministério da Defesa da Síria.

A Síria, porém, tem um aspecto compensador: é um país secular que tradicionalmente mostra aversão ao fundamentalismo islâmico. O presidente Hafez al-Assad, pai de Bashar, massacrou cerca de 38 mil rebeldes da Irmandade Muçulmana, na maioria fundamentalistas sunitas, em Hama, em 1982. Atualmente, parcelas da elite Ba´ath dominante se preocupam com o aprofundamento da aliança da Síria com o Irã teocrático e o Hezbollah islâmico.

A aliança reflete medo, não comprometimento. Os moderados emirados sunitas do Golfo Árabe, que desconfiam da crescente ascensão xiita e da aspiração expansionista iraniana na região, pararam de apoiar a economia síria devido a sua aliança com os aiatolás do Irã. Rotulada pelos EUA como parte do "eixo do mal", a Síria também viu a ajuda financeira saudita secar e teme que benefícios comerciais que viriam da ratificação do seu Acordo de Associação com os EUA não se materializem.

A relutante aliança da Síria com o Irã, aliada ao seu desespero econômico, oferecem aberturas que Israel e o Ocidente deveriam testar. O que poderá a Síria querer? A exemplo da maioria dos árabes, Bashar al-Assad vê Israel a partir da perspectiva da angústia pan-árabe em relação à privação palestina, mas também enxerga a oportunidade de usar os palestinos para reforçar o poderio do seu regime, imprimindo sua própria marca sobre qualquer acordo.

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Como o seu pai, Assad é cauteloso. Enquanto o Egito se mantiver neutro, é improvável que se arrisque a travar outra guerra com Israel, quanto mais com os EUA, ou com os EUA e Israel combinados.

A grande incógnita é o que Assad quer com o Líbano. Se o seu objetivo é um governo em Beirute que leve em consideração as legítimas preocupações da Síria com segurança, Israel pode se acomodar a isso. Além disso, o sentimento generalizado de aversão à Síria, por seu papel no assassinato do ex-primeiro-ministro Rafiq Hariri, particularmente entre as comunidades maronitas, sunitas e drusas, significa que é improvável que o Líbano alguma vez volte a ser subserviente - isto é, a menos que o Hezbollah passe a dar as cartas.

Israel agora enfrenta três opções. Pode vacilar enquanto finge não fazê-lo; pode manter a situação mais ou menos como antes, esperando algum novo acontecimento positivo; ou pode tentar desacoplar a Síria do Irã e do Hezbollah. A última opção é o único cenário que poderá deter a tendência de ampliação da influência islâmica no Oriente Médio. Desvincular a Síria do abraço iraniano, porém, significa reabrir a questão das Colinas do Golan.

Um acordo com a Síria não é impossível, considerando-se as ambigüidades existentes na posição de Assad. Do lado israelense/americano, ele incluiria o reconhecimento de que a Síria tem interesses de segurança no Líbano. Se a Síria, por sua vez, aceitar a soberania do Líbano, e se ela ajudar a obrigar o Hezbollah a se tornar uma força política despojada do seu poderio militar, Israel e os EUA precisarão persuadir o governo do Líbano a aceitar que Síria e Líbano precisam se consultar em questões de segurança. Para a Síria, um acordo de paz também poderia incluir o entendimento de que a ocupação israelense das Colinas do Golan deve ser resolvida por negociações sérias, não pela guerra.

Esse tipo de abertura diplomática pode ser de difícil aceitação para o premiê de Israel, Ehud Olmert, quanto mais de ser vendido aos israelenses. Portanto, os EUA e a Europa precisam ajudar o país a chegar a essa conclusão.

Os EUA e Israel precisam renunciar à sua recusa de conversar com a Síria. Na verdade, chegou a hora de oferecer garantias ao isolado regime sírio de que obstruir o rearmamento do Hezbollah, de que impedir a passagem dos combatentes islâmicos para o Iraque, e de que a melhora do aterrador histórico de direitos humanos do país, poderão trazer valiosos benefícios econômicos e diplomáticos, incluindo um fortalecido acordo de associação com os EUA.

Israel ganharia muito conversando com o seu inimigo. Consciente da sua vulnerabilidade a ataques de foguetes, Israel sabe que precisa de um Estado defensável, livre de agressão externa. Remover a Síria da condição de ameaça é um elemento chave para a obtenção desse objetivo estratégico.

Elmar Brok é presidente da Comissão de Assuntos Externos do Parlamento Europeu.

Jana Hybaskova é presidente da Delegação por Relações com Israel do Parlamento Europeu.

Charles Tannock é Vice-presidente da Subcomissão de Direitos Humanos do Parlamento Europeu. © Project Syndicate 2006. www.project-syndicate.org