Título: País precisa mudar 'fontes' do crescimento, diz Kawall
Autor: Kawale,Carlos
Fonte: Valor Econômico, 15/02/2012, Brasil, p. A4

O grande desafio do governo Dilma Rousseff será mudar os vetores que explicaram o crescimento da economia brasileira na era Lula. A avaliação é do economista-chefe do Banco J. Safra e ex-secretário do Tesouro Nacional, Carlos Kawall, que não vê muitas possibilidades de o Brasil continuar se expandindo por meio do programas sociais e elevação do salário mínimo. "Estamos chegando num limite no que toca à capacidade do governo de estimular a atividade econômica via elevação dos gastos correntes."

Para ele, o Brasil terá que buscar outras fontes de dinamismo para sustentar uma trajetória de crescimento nos próximos anos, como os investimentos - sobretudo em infraestrutura - e o desenvolvimento da construção civil. E isso, observa Kawall, não colocará o país na delicada situação de ter de escolher entre investir mais e cumprir a meta "cheia" de superávit primário (economia para pagamento de juros), de 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB), sem descontar os gastos com investimentos.

"Não chegaremos a essa circunstância", afirma. "Se mantivermos o rigor nas contas de custeio, se a receita continuar crescendo em nível razoável e se o crescimento do PIB se confirmar em torno de 3,3% neste ano, como prevemos, poderemos ter as duas coisas."

A seguir, os principais trechos de sua entrevista:

Valor: O governo tem se mostrado determinado a reativar a economia, após a estagnação no segundo semestre de 2011. Há risco de superaquecimento econômico?

Carlos Kawall: Se entendermos superaquecimento como a retomada do crescimento da economia no patamar de 5% ou 6% ao ano, considero pouco provável. Nosso cenário para 2012 é de expansão não muito maior que em 2011, ficando em torno 3,3%, com a economia se beneficiando da redução dos juros e o aumento do salário mínimo. O cenário econômico mundial ainda é bastante preocupante e alguns dos fatores que garantiram um crescimento mais robusto no passado não contribuirão da mesma forma nos próximos anos. O primeiro deles é o aumento do crédito, que não deverá continuar tão forte. Também tivemos como fator importante nos últimos anos uma política que combinou elevação da carga tributária com aumento das transferências governamentais via salário mínimo e programas sociais - o que alargou muito o consumo na base da pirâmide. Agora, parece que estamos chegando num limite no que toca à capacidade do governo de estimular a atividade econômica via elevação dos gastos correntes. Ao longo dos próximos anos, provavelmente vamos ter que buscar outras fontes de dinamismo para a economia.

Valor: Quais seriam essas fontes?

Kawall: Temos duas principais: o investimento, sobretudo em infraestrutura - o que implica mudança na composição do gasto do governo - e a continuidade da expansão da construção civil, que ainda tem muito a avançar, seja via programas de cunho social, como o Minha Casa, Minha Vida, seja pelo próprio crescimento do crédito imobiliário.

Valor: O consumo, entretanto, ainda está bastante aquecido, contando com o impulso vindo do reajuste do salário mínimo e de medidas de estímulo, como a redução do IPI para linha branca e do IOF para pessoas físicas, além do novo ciclo de redução de juros...

Kawall: Não tenho uma visão de que a economia retomará o crescimento em ritmo de 5% ou 6% ao ano, pelo fato de que teremos que mudar os vetores que explicaram o crescimento, sobretudo no governo Lula. Fechamos 2011 com uma grande decepção, diante do crescimento estimado de 2,8% no PIB. A ociosidade na indústria é crescente. Há uma aparente contradição, com o consumo relativamente aquecido, baseado cada vez mais em produtos importados. Ao mesmo tempo, o setor de serviços, que é a maior parcela do PIB, mantém-se bastante dinâmico, pressionando a inflação.

Valor: Inflação pressionada e estímulos ao consumo. Corremos o risco de perder o controle inflacionário?

Kawall: Não acredito nisso. Prevemos que a inflação vai se desacelerar para 5,3% no fim deste ano e 5,2% em 2013. A economia perdeu bastante dinamismo em 2011, induzida pela própria política macroeconômica. Tivemos as medidas macroprudenciais, que foram subestimadas, e a política fiscal foi mais apertada do que a que vinha sendo feita.

Valor: Houve exagero por parte do governo na condução das medidas macroprudenciais?

Kawall: O efeito dessas medidas acabou sendo mais contundente do que eu imaginava. Para a maioria dos economistas, havia uma percepção de que não haveria um impacto tão grande. O importante é que hoje continuamos vendo sinalizações de que a política fiscal continuará sendo mais contracionista que no passado. Não teremos aumento para o funcionalismo público pela primeira vez em muitos anos. A sinalização do governo é de que quer conter o gasto de custeio e tentar expandir o investimento dentro do espaço para cumprimento da meta de superávit primário. Me parece a decisão correta. O consumo, que é o carro-chefe da economia, continuará crescendo, mas não com o vigor que observamos nos anos anteriores. Mesmo com a queda recente da Selic, as taxas hoje praticadas em financiamentos de automóveis e no crédito consignado estão mais altas do que aquelas que prevaleciam em 2010, pela força das medidas macroprudenciais. A inadimplência subiu, refletindo o aperto monetário de 2011 e, por isso, o espaço para crescimento do crédito é menor. Não vejo, portanto, um quadro explosivo nem para a atividade, nem para a inflação.

Valor: Como o governo não tem muita margem para corte de custos, é possível ampliar os investimentos sem estourar a meta de superávit primário?

Kawall: É possível, se mantivermos o rigor nas contas de custeio, se a receita continuar crescendo em nível razoável e se o crescimento do PIB se confirmar em torno de 3,3%. O investimento, sobretudo o público, tem uma série de aspectos que tornam mais lenta a sua execução. Em 2012, vamos executar uma parcela maior do Orçamento no que toca a investimento, mas não a ponto de comprometer o cumprimento da meta de superávit primário. É difícil dar saltos no investimento. Se o crescimento chegar a 10% ou 15% em relação ao ano passado, será bem razoável. Se for essa a taxa de expansão, não será significativamente alta para comprometer a meta. Não chegaremos a uma circunstância em que o governo terá que optar entre executar o investimento ou cumprir a meta de superávit primário.

Valor: Há espaço para cortes em custos?

Kawall: Em 2011, houve duas despesas que se sobressaíram em crescimento. Uma delas foi o Minha Casa, Minha Vida, que deve continuar crescendo e o governo deverá reclassificá-la, deixando de ser despesa para passar a investimento. A outra é aquela vinda do FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador], em que aparece o seguro-desemprego. Um dos pontos que causam surpresa é vermos o mercado de trabalho tão apertado e os gastos de seguro-desemprego constantemente subindo.

Valor: O que explica o mercado de trabalho aquecido e a crescente despesa do seguro-desemprego?

Kawall: Aparentemente se deve à rotatividade e aos critérios utilizados para concessão do benefício, que acabam fazendo com que mesmo as pessoas que ficaram pouco tempo contratadas recebam o seguro-desemprego. Há trabalhadores que saem do mercado formal e ficam no informal pelo tempo em que é válido o benefício, formalizando a relação trabalhista só quando não há mais o pagamento.