Título: Financiamento mais caro do comércio reflete risco setorial
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 03/05/2006, Finanças, p. C4

Os bancos aumentaram o volume de empréstimos para o comércio e o dinheiro emprestado às lojas se traduziu em mais financiamento aos clientes para aquisição de bens. Mas a exemplo do crédito bancário, a taxa de juros dos crediários continua alta, exigindo do consumidor uma cansativa pesquisa para identificar os verdadeiros bons negócios. É o que mostra uma pesquisa feita pela Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac).

Com base em anúncios publicados pelas lojas em 22 jornais das capitais de São Paulo, Rio, Santa Catarina, Brasília, Paraná, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, a equipe de pesquisadores da entidade identificou as taxas cobradas em 12 grupos de lojas - grandes, médias e pequenas redes, empresas de turismo, de artigos para o lar, de eletroeletrônicos, de importados, veículos, artigos de ginástica e cuidados com a saúde, informática, celular e artigos de decoração.

O resultado (ver tabela ao lado) mostra que as taxas médias mais elevadas são cobradas nas pequenas redes de varejo, lojas de artigos de ginástica, decoração e artigos para o lar. As mais baixas estão nas grandes redes, nos financiamentos de automóveis e nas agências de turismo.

Segundo os dados do último boletim do Banco Central sobre Política Monetária e Crédito, as parcerias entre os bancos e as grandes redes de varejo e a maior liberação de empréstimos irrigaram o comércio com R$ 8,43 bilhões a mais em recursos nos últimos 12 meses encerrados em fevereiro. O saldo dos empréstimos do comércio com o sistema financeiro (bancos públicos, privados e estrangeiros) era de R$ 65,8 bilhões em fevereiro (último dado disponível), 15,4% acima do mesmo mês do ano passado.

Para Marcel Solimeo, economista da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), essa oferta adicional de crédito é reflexo, principalmente, dos acordos entre bancos e redes de varejo - só no ano passado foram mais de 20 transações. Na opinião dele, o movimento de aproximação dos bancos com as redes ajudou a aumentar a concorrência e reduzir os juros do crediário. "Mas esse efeito ainda não é visível porque estamos em um processo de queda da Selic (taxa básica de juros, definida pelo Banco Central) e, por outro lado, a inadimplência subiu", analisa Solimeo. A tendência, segundo ele, é de queda tanto da inadimplência quanto dos juros do crediário.

Solimeo questiona a pesquisa da Anefac que, segundo ele, não tem valor técnico já que para refletir fielmente o custo do crediário, as taxas deveriam ser ponderadas pelo volume de empréstimos por lojas e tipos de produtos - a Anefac só calcula as médias aritméticas. Os anúncios, no entanto, são a única fonte de informação disponível para os consumidores e os dados oficiais do Banco Central (que faz a ponderação) têm confirmado as tendências identificadas nas pesquisas da Anefac e também as da Fundação Procon São Paulo.

Para o economista Miguel de Oliveira, vice-presidente da Anefac e coordenador da pesquisa, o custo financeiro dos crediários está relacionado diretamente ao acesso do lojista ao capital (seja próprio, seja bancário, seja do fornecedor) e ao risco de cada produto. A concorrência também é um fator de grande peso nas taxas de juros para aquisição de bens. "Grandes redes que têm recursos próprios ou dos bancos, oferecem condições melhores de financiamento. Já as pequenas, que dependem de capital de giro próprio, têm mais dificuldade, cobram mais. Onde você tem competição maior, a taxa é menor", analisa Oliveira.

Nas empresas de artigos de ginástica, a concorrência é grande. Em compensação, a inadimplência também, explica Silvia de Feo, diretora de marketing da Fitness Brasil, uma empresa especializada em consultoria e eventos do setor de artigos esportivos. Segundo ela, o setor é extremamente pulverizado, com apenas dois ou três grandes "players" na indústria e no comércio.

"A maioria dos equipamentos é importada. Na área de confecções e calçados a distribuição é de pequenas e médias empresas. Em acessórios, predominam as micro empresas", explica Silvia, atribuindo a este perfil parte da explicação para os juros altos cobrados nessas lojas. Mas para ela, o fator de maior peso é a inadimplência. "A indústria de equipamentos vende muito para academias de ginástica, onde o índice de mortalidade (fechamento) de empresas é altíssimo, gerando uma enorme inadimplência. Esse risco é jogado na taxa de juros", explica a executiva da Fitness.

A inadimplência também explica o elevado nível dos juros das lojas de celulares, na visão de Marcel Solimeo. "As pessoas compram celular em prestação, depois se esquecem que têm que pagar a conta mensal, além do financiamento". O resultado é que deixam de pagar uma das duas contas e esse risco é acrescentado pelo lojista nos juros do financiamento.

Nas empresas de turismo há grande competição e predominância de micro, pequenas e médias empresas, explica Oliveira. No entanto, há muita negociação de contratos e os financiamentos são feitos pelos fornecedores, ou seja, as companhias aéreas ou rodoviárias, as redes de hotéis e resortes. "Elas conseguem pacotes das operadoras, prazos mais longos e preços melhores. Quando vão descontar cheques no banco, apresentam cheques de clientes de renda mais alta, aqueles que viajam", diz o economista.

O setor onde a taxa de juros é a mais baixa é o de automóveis. O motivo é a força da garantia: o próprio automóvel. Em caso de inadimplência, a retomada do veículo é fácil e rápida, o que reduz o peso desse item no spread cobrado pelos bancos e financeiras. Pedro Paulo Bartolomei da Silveira, economista chefe da Global Invest, explica que a concorrência e a pressão das montadoras de automóveis também contam na redução dos juros do financiamento de automóveis.