Título: Um só documento, vitória de Dilma
Autor: Abreu, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 01/10/2010, Política, p. 2

Decisão do STF de exigir só uma identificação com foto no dia das eleições foi celebrada pelos petistas. Partido temia alta abstenção no eleitorado menos informado se o Título de Eleitor também fosse cobrado

O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou ontem a exigência de o eleitor apresentar dois documentos na hora de votar. Agora, basta levar um documento oficial com foto para estar apto, diante dos mesários, no domingo. O entendimento firmado pelos ministros, por oito votos a dois, torna o Título de Eleitor dispensável e foi comemorado pelo comando de campanha da petista Dilma Rousseff.

A liminar concedida pelo STF atende a um pedido do PT. O partido temia que a obrigação de levar dois documentos acarretasse em elevado índice de abstenção, o que poderia trazer prejuízos ao desempenho nas urnas da ex-ministra da Casa Civil e até determinar um segundo turno. Dilma tem nas camadas populares boa parte de seu eleitorado potencial. Nos bastidores da campanha, a avaliação era de que nas pequenas cidades e nas regiões rurais mais afastadas, beneficiadas por programas de renda como o Bolsa Família, não havia muito acesso à informação. Assim, esse público acabaria impedido de votar por ter perdido o título, por não ter o hábito de apresentar o documento ou por não saber da norma. Na ação, o PT alegou que não faria sentido privar o eleitor do direito do voto para assegurar a correta identificação.

Em reação, o DEM entrou com representação no STF em que defendeu a dupla documentação. Se acolhida a tese do PT, será jogada no lixo a mobilização institucional do TSE, que contou, inclusive, com a aplicação de recursos públicos na elaboração e na execução das campanhas de esclarecimento ao eleitor, criticou o presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), antes do julgamento.

Em plenário, no entanto, oito dos dez ministros levaram em consideração os argumentos do PT de que a exigência dos dois documentos colocaria em risco o direito assegurado do eleitor de votar. Prevaleceu a tese da ministra Ellen Gracie, relatora do processo. Ela se posicionou pela exigência de um documento com foto, o que exclui a necessidade de apresentação do título. A regra é ofensiva ao princípio da razoabilidade e se afasta da razão que a norma visou buscar [de dar segurança na identificação do eleitor], destacou Ellen Gracie. Quem chegar à seção eleitoral só com o título, no entanto, ficará impedido de votar, já que o documento não tem foto.

Na prática, a liminar concedida ontem pelo STF suspende a obrigatoriedade que havia sido imposta pela minirreforma eleitoral, aprovada em setembro do ano passado pelo Congresso Nacional, que tornou indispensável a apresentação do título e de mais um documento com foto no dia do pleito. O Supremo ainda vai julgar em definitivo a ação em que o PT pede que a lei seja declarada inconstitucional, mas ainda não há data prevista. É certo, porém, que o caso ficará para depois do segundo turno das eleições.

Antes de o PT ir ao Supremo, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) havia declarado válida a exigência da dupla documentação. Tanto que, desde julho, o tribunal veicula propagandas em que orienta o eleitor sobre a necessidade de portar os dois documentos. O TSE também fez campanha para incentivar a retirada da segunda via do título e até prorrogou o prazo para a reimpressão do documento. Originalmente, venceria no dia 23, mas foi estendido até ontem (leia na página 3). A ação do PT, contudo, fez os ministros do TSE mudarem de ideia.

Vista O julgamento foi iniciado na quarta-feira, quando além da ministra outros seis ministros defenderam a suspensão da lei, mas acabou interrompido por um pedido de vista de Gilmar Mendes. Ontem, ele apresentou seu voto contrário ao pedido do PT. Chamo a atenção para o viés político dessa propositura (...) a corte não pode se deixar manipular, afirmou. Os argumentos, porém, não convenceram os demais ministros a mudarem seus votos. Somente o presidente do STF, Cezar Peluso, acompanhou Mendes. Para Peluso, a decisão do Supremo torna o título um documento de recordação ou de mero lembrete de local de votação.

No começo da sessão, Gilmar Mendes negou que sua decisão de pedir vista na quarta-feira tenha qualquer conexão política. Reportagem publicada pelo jornal Folha de S. Paulo indica que o ministro teria pedido vista depois de ter falado ao telefone com o candidato à Presidência do PSDB, José Serra, que defende a apresentação dos dois documentos nas eleições de domingo.

Hoje me surpreendi com notícia dizendo que o meu pedido de vista fora ocasionado por motivações político-partidárias. Obviamente, isso improcede em toda a extensão. Quem me conhece sabe bem que jamais me deixei pautar por interesses político-partidários, disse Gilmar Mendes, em plenário. Depois de encerrada a sessão, Mendes disse aos jornalistas que não conversou com Serra.

Convicção No Rio de Janeiro, para o debate entres os presidenciáveis, Dilma Rousseff celebrou a decisão do STF. A vitória no Supremo mostra que agora não é uma concepção só do PT, e sim uma convicção do Supremo Tribunal Federal no sentido de que o voto pode ser feito apenas com o documento de identidade. Para nós, isso é importante porque facilita o ato de votar para milhões de brasileiros. Estamos todos felizes, disse. Ela rechaçou as afirmações de que a medida se tratava de um problema apenas dos mais pobres. Todas as classes estão com problemas. Vi filas enormes em Porto Alegre para tirar o título. Os índios também poderiam não votar, afirmou.

CAMPANHA RELÂMPAGO O TSE divulgou nota ontem à noite em que informa que veiculará hoje e amanhã, ao longo da programação das rádios e televisões, um comunicado oficial de 15 segundos para esclarecer o eleitor sobre a decisão do STF. A mensagem será a seguinte: Por decisão do Supremo Tribunal Federal, o eleitor não será impedido de votar caso leve apenas o documento oficial com foto para sua seção eleitoral neste domingo, dia 3. Justiça Eleitoral.

"A regra é ofensiva ao princípio da razoabilidade e se afasta da razão que a norma visou buscar

Ministra Ellen Gracie, relatora do processo no STF, favorável ao uso de um só documento

O número Faltam 2 dias para o 1º turno

Colaborou Denise Rothenburg

Três perguntas para Ricardo Lewandowski

Presidente do TSE e ministro do STF

A mudança da regra representa um desperdício de tempo, esforço e dinheiro pela Justiça Eleitoral? Não. O STF definiu hoje que os dois documentos continuam obrigatórios. A diferença é que decidimos liminarmente que, se o eleitor não tiver o Título de Eleitor à mão, não deixará de votar. Ou seja, poderá exercer o direito fundamental de votar ainda que não tenha na hora o Título de Eleitor.

Vai dar tempo de esclarecer o eleitor? Já estamos iniciando uma campanha pelo rádio e pela televisão explicando a decisão que o STF acabou de tomar. Iniciaremos a campanha de esclarecimento ainda hoje (ontem). Vai dar tempo, sim, porque a grande maioria sabe que teria que comparecer ao local de votação com dois documentos. Apenas um ou outro deixará de levar o Título de Eleitor.

O título perde a utilidade? Não. O título é uma forma que o eleitor tem de facilitar a sua identificação pelos mesários. Continua sendo válido e útil. Mas a médio prazo, com a implantação da identificação biométrica do eleitor, a exigência passará a ser obsoleta.