Título: O impasse da imigração nos EUA
Autor: Frey, William
Fonte: Valor Econômico, 04/05/2006, Opinião, p. A13

Apesar de o Congresso dos Estados Unidos ter retomado os trabalhos e embora a política de imigração seja um tema intensamente debatido, muitos acreditam que as perspectivas para se alcançar um projeto de lei de reforma da imigração estão se esvaindo. Essa opinião está baseada na aguda divisão reinante entre os que apóiam "um caminho para a cidadania" para os residentes sem documentos do país e os que querem medidas mais punitivas "no estrito cumprimento da lei". Nas últimas semanas, milhões de militantes favoráveis à primeira posição marcharam em muitas cidades dos EUA.

É improvável que o debate em torno da imigração fracasse antes do término desta legislatura - e isso não se deve aos protestos em massa. Pelo contrário, a penetração do tema da imigração continuará aumentando devido às recentes mudanças demográficas ocorridas nos EUA e a uma nova versão da antiga "maioria silenciosa" do presidente Nixon. No fim da década de 1960, Nixon tirou proveito dos temores dos chamados "americanos medianos", indignados com o que eles percebiam como atividades ilegais e impatrióticas dos jovens e da contracultura em geral, que se opunham à Guerra do Vietnã. Aquele estratagema e o peso demográfico da maioria silenciosa ajudaram Nixon a vencer duas eleições presidenciais.

A urgência que levou a reforma da imigração ao Congresso agora, após décadas de inação, é movida por uma reação similar da "maioria silenciosa", que agora atingiu um ponto de virada demográfica.

A notável dispersão dos nascidos no exterior, e em especial da população hispânica, a todas as regiões e à maioria das cidades de qualquer porte de costa a costa, levou o tema para dentro dos distritos estaduais e legislativos, nos quais há não muito tempo era considerado irrelevante.

Até 1990, aproximadamente 75% de todos os imigrantes, legais e ilegais, residiam em apenas seis Estados e 70% dos hispânicos viviam na Califórnia, Nova York, Texas ou Flórida. Embora muitos americanos tivessem conhecimento das florescentes populações de imigrantes e novas minorias, a maioria apenas mantinha contato com os imigrantes "virtualmente", através da televisão ou dos noticiários, não por interação pessoal.

-------------------------------------------------------------------------------- A notável dispersão dos imigrantes a todas as regiões levou o assunto para dentro dos distritos, onde era há pouco tempo considerado irrelevante --------------------------------------------------------------------------------

Considerando-se a sua experiência de absorver imigrantes no passado, os estrangeiros recém-chegados a esses grandes Estados tradicionais dos "caldeirões culturais" não estimulavam reações políticas nacionais.

Esse já não é mais o caso. A subseqüente entrada dos imigrantes nas regiões centrais do país, e especialmente nos Estados agrários e mais rurais, é digna de menção por dois motivos. Primeiro, os Estados em crescimento são velozes: 25 mais do que dobraram e outros nove mais do que triplicaram a sua população nascida no exterior desde 1990. Na Carolina do Norte, as populações nascidas no exterior e as hispânicas cresceram em mais de 390% e 540%, respectivamente, ao longo dos 15 anos passados. A população da Geórgia e do Colorado nascida no exterior aumentou em mais de 200%.

Segundo, se por um lado os imigrantes representam parcelas menores das populações como um todo nesses Estados em relação aos "caldeirões culturais" comuns, por outro seus recém-chegados tendem a ser imigrantes mais recentes, em pior situação financeira e com maior probabilidade de estarem sem documentos na comparação com os imigrantes dos grandes Estados. Essa combinação de crescimento rápido, posição legal questionável e idiomas e costumes desconhecidos transformaram-se em combustível para reações contra os imigrantes, ou pelo menos, num motivo para preocupação.

Análise de uma pesquisa da CBS News de agosto de 2005 concluiu que 72% dos residentes nos novos Estados de destino com crescimento acelerado não apóiam conceder permissões de trabalho temporárias a trabalhadores ilegais, em comparação com 54% nos grandes Estados de imigrantes. Sobre se a imigração legal deveria ser alterada, 57% dos residentes nos novos Estados de destino apóiam níveis reduzidos, em comparação com 47% nos Estados de destino tradicional dos imigrantes. A Conferência Nacional de Legislaturas Estaduais descobriu que, nos dois primeiros meses deste ano, 368 projetos de lei relativos à imigração, muitos deles de caráter punitivo, foram apresentados em 42 Estados. O mais recente, já transformado em lei, impõe sanções à concessão de serviços públicos a trabalhadores sem documentos e aos empregadores que os contratam.

Considerando-se que muitos dos novos Estados de destino também estão enviando republicanos ao Congresso e à Casa Branca, a reforma da imigração certamente continuará sendo um tema de linha de frente no Congresso controlado pelos republicanos. Ainda não se pode afirmar se essa "maioria silenciosa" destes novos Estados de imigrantes da imensa região central do país exercerá ou não a mesma influência política da sua congênere da época de Nixon, especialmente agora, que ela é lançada contra uma minoria cada vez mais barulhenta de trabalhadores hispânicos e asiáticos e estudantes que estão tomando as ruas. É uma boa aposta, porém, afirmar que na legislatura atual do Congresso, pelo menos, suas vozes não serão silenciadas.