Título: É direito do Brasil se defender do tsunami monetário
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Fonte: Valor Econômico, 05/03/2012, Opinião, p. A10

Ao longo dos últimos anos, os bancos centrais responsáveis pela emissão das principais moedas de reservas do mundo adotaram políticas monetárias expansionistas. Além disso, anunciaram a intenção de manter taxas de juros em patamares baixos, por um período prolongado de tempo.

De 2008 até agora, a expansão dos ativos do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), do Banco Central Europeu (BCE), do Banco da Inglaterra e do Banco Central do Japão totaliza US$ 4,6 trilhões, segundo cálculo apresentado pelo presidente do BC brasileiro, Alexandre Tombini, em sua exposição na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, na semana passada.

No dia seguinte ao pronunciamento de Tombini, o BCE anunciou sua decisão de colocar disponíveis para 800 bancos privados europeus mais € 529 bilhões. Os bancos terão um prazo de três anos para usar os recursos e devolvê-los ao BCE.

Aos senadores, Tombini lembrou também que o Fed já anunciou sua intenção de manter os juros entre 0% e 0,25% ao ano até 2014. O BCE opera com taxa de 1% ao ano, o Banco da Inglaterra, com 0,5% ao ano e o BC do Japão, com 0% e 0,10% ao ano.

O objetivo principal dessas medidas é garantir a solvência dos sistemas financeiros dos países desenvolvidos e facilitar a recuperação de suas economias. O problema é que essas políticas ampliam significativamente a liquidez internacional, direcionando fluxos cada vez maiores de recursos para os países emergentes, entre eles, o Brasil. Foi essa enxurrada de dinheiro que a presidente Dilma Rousseff chamou, na semana passada, de "tsunami monetário".

Um efeito direto da expansão monetária é a redução da aversão dos investidores ao risco. Com isso, os recursos são direcionados para aplicações com maiores chances de retorno imediato, o que atualmente só existe em países emergentes, que mantêm suas economias em crescimento.

O agravante do caso brasileiro é o brutal diferencial entre a taxa de juro vigente e as do mercado internacional, o que motiva operações de arbitragem. Um representante de uma multinacional informou, recentemente, que 30% do caixa de sua empresa está em investimentos financeiros no Brasil. O ingresso dessa enxurrada de recursos tem impacto direto na taxa de câmbio, agravando a apreciação do real.

Os países desenvolvidos tentam superar a grave crise econômica em que se meteram e, para isso, adotaram medidas excepcionais. Nesse ambiente em que prevalecem práticas pouco usuais e questionáveis, o governo brasileiro não pode ficar inerte, sem adotar medidas que protejam a indústria aqui instalada. É um direito do país adotar medidas que evitem, como disse a presidente Dilma, "a canibalização" de seu mercado.

É importante registrar que até mesmo instituições tradicionalmente conservadoras, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), veem a necessidade de intervenção no mercado de câmbio no atual momento. Em recente artigo, os economistas do FMI Jonathan D. Ostry, Atish R. Ghosh e Marcos Chamon defenderam que os bancos centrais de países emergentes adotem medidas com o objetivo de evitar oscilações exageradas de suas moedas, quando elas resultarem de ingresso excessivo de recursos externos no país.

Na semana passada, o governo brasileiro adotou mais uma medida para tentar conter a apreciação do real. Elevou para 6% a alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) incidente em empréstimos externos com prazos de até três anos. Essa medida seria parte de um arsenal que o governo prepara para enfrentar os efeitos do "tsunami monetário". Alguns economistas sugerem a adoção do sistema de quarentena para os capitais que ingressarem no país, em que, durante um certo período, ficariam sem direito à remuneração. Outros defendem que o Fundo Soberano seja utilizado, como um auxiliar do BC, na aquisição do excesso de dólares. E outros sugerem que o governo seja mais rigoroso na análise dos empréstimos externos intercompanhias.

O resultado prático dessas medidas, no entanto, parece pouco relevante enquanto o diferencial entre a taxa de juro brasileira e as do mercado internacional continuar no nível atual. A redução dos juros ainda é o melhor caminho a ser trilhado, e o governo Dilma deve criar as condições para que isso ocorra, de forma responsável.