Título: Base governista se rebela e cria problemas para Dilma
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Fonte: Valor Econômico, 09/03/2012, Opinião, p. A12

O clima de insatisfação na base aliada da presidente da República, Dilma Rousseff, com o aumento no volume do coro dos descontentes, pregou-lhe a primeira derrota no Congresso neste ano e acendeu o sinal amarelo.

Em votação secreta - e portanto mais propensa à traição - Dilma Rousseff viu a recondução do diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Bernardo Figueiredo, para um mandato de mais quatro anos, ser rejeitada no Senado por 36 votos a 31, com uma abstenção.

O governo tem oficialmente ampla maioria, de mais de 60 senadores no total de 81 parlamentares da Casa. Mas sofreu a derrota capitaneada pelo PMDB e só possível com a adesão de outros aliados tradicionais como PSB, PDT e PCdoB. O resultado foi desfavorável mesmo com a ausência de senadores oposicionistas.

A rejeição significa uma derrota pessoal da presidente, que tinha em Figueiredo um homem de confiança para pôr nos trilhos o ambicioso e polêmico projeto do trem-bala.

Mas o recado da base para Dilma foi claro: o que deve mudar, na mais alta velocidade, é a relação entre Executivo e Legislativo.

Desde o ano passado, parlamentares queixam-se do tratamento dispensado a eles pela presidente. Querem uma linha direta, tal como desfrutavam com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para o atendimento de suas demandas ou, ao menos, para se sentirem adulados.

O estilo de Dilma é outro. Barganha menos e impõe mais. Há 14 meses na cadeira presidencial, já está mais à vontade e, aconselhada por Lula, tenta se aproximar dos partidos e exercer a função política primordial de um chefe de governo. Não basta ser técnica.

O recente anúncio de que fará reuniões semanais com os líderes das legendas que lhe dão sustentação é uma mudança nesse sentido. A liberação de emendas parlamentares - que há tempos provoca a grita da base e veio na esteira do ajuste fiscal - também passou a ser mais generosa.

Mas os insatisfeitos, agora, querem avançar em ritmo acelerado. É prematuro falar em instabilidade ou governabilidade ameaçada. A grande coalizão herdada por Dilma, e ampliada nas eleições de 2010, lhe dá uma boa margem de manobra, enquanto outros fatores de risco, como uma crise econômica, estiverem afastados. Mas é preciso habilidade política e paciência para gerir os conflitos, qualidade cara a seu antecessor.

A inquietação dos aliados, por outro lado, é fruto tanto de dificuldades de liderança quanto de méritos da presidente. Há na atitude de rebeldia de certos partidos e parlamentares o rancor pelos expurgos promovidos por Dilma. A "faxina ética" deixou traumas. Algumas dessas feridas ainda estão abertas, como no Ministério dos Transportes e do Trabalho, onde os substitutos têm a marca da provisoriedade até hoje. Os partidos querem nomes que representem suas bancadas.

A reforma ministerial, esperada para o início do ano, não veio. Pior, foi esboçada de modo açodado. Não caiu bem, por exemplo, a nomeação do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ). A troca foi articulada há 15 dias, no mesmo fim de semana em que o ex-governador José Serra (PSDB) anunciava sua entrada na disputa pela Prefeitura de São Paulo.

A decisão de Dilma foi interpretada como uso explícito da máquina federal para favorecer o ex-ministro Fernando Haddad na capital paulista. A cessão do ministério ao PRB teria como contrapartida a retirada da pré-candidatura do ex-deputado Celso Russomanno, em segundo lugar nas pesquisas.

A reação do PMDB à "hegemonia petista" não tardou. Primeiro, veio a assinatura de um manifesto anti-PT, por 53 dos 76 deputados do partido, cujo agravante é o de ter sido endossado até pelo vice-presidente da República, Michel Temer, em exercício do cargo, durante visita de Dilma ao exterior. Agora, surge a rejeição a Figueiredo. São sintomas de um mal-estar que remonta à votação do Código Florestal, em 2011.

A tática dos pemedebistas tem sido a de morder e assoprar. Há dez dias, na votação da lei que cria o fundo de previdência do servidor público (Funpresp), a legenda foi mais disciplinada que o próprio PT. Quem mostrou as garras foram PDT, PSB, PR e PCdoB.

Para que a rebelião não se espraie nem vire rotina, Dilma precisará agir, sob pena de ter seus projetos atropelados pelo bonde do Congresso.