Título: MP prevê casos em que é possível deixar 100% dos dólares no exterior
Autor: Safatle, Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 03/08/2006, Finanças, p. C2

A medida provisória que regulamenta o pacote cambial foi assinada ontem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e uma das questões que ela deixa bastante claro é que o governo não está revogando o decreto 23.258, de outubro de 1933, que instituiu a obrigatoriedade da cobertura cambial. "Tivemos, aqui, grande discussão sobre a possibilidade de revogação, que seria bom do ponto de vista simbólico, mas decidimos pela sua flexibilização", informou o secretário de Política econômica do Ministério da Fazenda, Júlio Sérgio Gomes de Almeida. A medida provisória foi assinada ontem à noite para ser publicada ainda na edição de hoje do "Diário Oficial" da União.

No texto há importantes inovações em relação ao alcance das medidas que foram divulgadas na semana passada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega.

O artigo 3º da MP autoriza o Conselho Monetário Nacional (CMN) a estabelecer formas simplificadas de contratação simultânea de operações de compra e venda de moeda estrangeira proveniente de exportações e pela mesma cotação. Isso significa que as empresas que quiserem deixar mais do que os 30% de suas receitas de exportação em bancos no exterior, conforme limite fixado pelo CMN, poderão fazer operações conhecidas no mercado como "bate e volta". Assim, os recursos entram no país, por meio dos contratos simultâneos, a empresa recolhe a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), e volta para o banco no exterior, em operações realizadas com a mesma taxa de câmbio, mas custando à quem fizer essa opção, a cobrança de comissões pelo banco intermediário.

O governo acredita que essa será uma prerrogativa a ser usada mais pelas grandes empresas, que exportam e importam muito e que podem querer deixar, na prática, até 100% de suas receitas fora do país. "Fizemos isso para não perder arrecadação da CPMF", indicou Gomes de Almeida ao Valor.

Não mais caberá ao Banco Central a responsabilidade pela fiscalização e aplicação de penalidades em eventuais ilícitos cambiais. Essa função passa a ser integralmente da Secretaria da Receita Federal, que vai criar novos mecanismos de controle para "apertar o cerco" sobre as empresas brasileiras que estão se internacionalizando e, não raro, aproveitando de brechas na fiscalização para não pagar Imposto de Renda. "A Receita vai criar mecanismos específicos para assumir esse controle e, na passagem, vai tentar buscar parcela da perda de arrecadação que vem tendo nessa área pelo processo de abertura cambial já feito anteriormente", explicou o secretário.

Passar essa função para o fisco foi uma sugestão do próprio BC, segundo ele, e significa que as empresas terão que prestar informações bastante detalhadas das suas operações no exterior - dos pagamentos que serão feitos com os recursos que ficarão fora do país, pois sobre parte deles, como para pagamento de juros e alguns serviços, incide IR. "A maldade da MP é que agora a Receita Federal vai fazer esse cerco e como o país tem acordos internacionais, ela terá a prerrogativa de pedir aos bancos lá fora, onde as empresas brasileiras têm conta, todas as informações relativas a essas operações", indicou.

Livre das funções de fiscalizar os ilícitos cambiais, o BC vai criar um sistema de contrato de câmbio bastante simplificado, que poderá ser utilizado por todas as companhias exportadoras, mas cuja motivação é principalmente para as pequenas e médias. Esse servirá para facilitar a vida das empresas que preferirem internalizar os 70% dos recursos advindos das suas vendas fora. Será um contrato bastante desburocratizado, com poucas informações e de rápida realização.

O secretário de Política Econômica deixou bastante claro o pacote de medidas de liberalização cambial não representará perda de poder de regulação e de controle do Poder Executivo sobre essa área. Ao contrário, arriscou, no que se refere ao fisco, os controles vão aumentar.