Título: Violência cerca o hospital de Sapopemba
Autor: Felício, César
Fonte: Valor Econômico, 03/08/2006, Especial, p. A14

Inaugurado em abril de 2003, o Hospital de Sapopemba, na zona leste de São Paulo, a 28 quilômetros do centro, sintetiza o investimento feito na área da saúde pelo governo Alckmin. Com 181 leitos, a unidade é gerida pelo Hospital das Clínicas no regime de Organização Social e funciona de acordo com o sistema de "porta fechada", o ponto mais criticado por oposicionistas do governo e profissionais da área da saúde.

No modelo da "porta fechada", o paciente é selecionado. Salvo casos emergenciais, o hospital recebe pacientes indicados pelas unidades básicas de saúde para procedimentos de média complexidade, como partos e cirurgias que não envolvam risco de vida. "Com este modelo, o Estado foge ao preceito da universalização", diz o presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo, Cid Carvalhaes.

A esmagadora maioria dos 756 funcionários, sendo 254 médicos, são celetistas ou prestadores de serviço. Um médico em início de carreira ganha R$ 3 mil, em contrato privado, para trabalhar 30 horas por semana.

O Hospital de Sapopemba é uma torre de oito andares que se destaca no bairro horizontalizado de 13 km2, onde 290 mil habitantes se espremem em casas pequenas, entremeadas por favelas. Começou a ser construído em 1992, no governo de Luiz Antonio Fleury Filho. As obras foram paralisadas no ano seguinte e só houve a retomada em 2000, já no formato de Organização Social. O perfil do usuário é o retrato de uma vida difícil: 53% têm renda familiar de até dois salários-mínimos. Metade tem até 22 anos. Entre as parturientes, 40% declararam não ter companheiro.

Palco de conflitos entre invasores de terra e a polícia nos anos 80, na região conhecida como "Fazenda da Juta", Sapopemba é marcada pela criminalidade. "O problema aqui é o crime desorganizado. Já houve tentativas de invasão, roubos a carros. Como administrador de hospital aqui, tenho de lidar com problemas fora da minha especialidade", afirma o diretor Leonardo Ceccon. "Miséria não se resolve com supositório ou inalação. Os indicadores caem pela melhoria de condições econômicas e sociais", comenta.

Ceccon tem metas a cumprir, estipuladas no contrato de gestão. Precisa sempre trabalhar para reduzir ao máximo o tempo de internação. Comemora a marca de apenas 28% de cesarianas em partos. "Nós não internamos o paciente que será submetido a cirurgias para fazer exames, por exemplo. É uma forma de reduzir a permanência do paciente aqui", diz.

Entre a inauguração, há três anos, e o pleno funcionamento do hospital há um longo caminho que ainda não terminou. Nos próximos meses, deve ser ocupado o último andar vago, com mais leitos para obstetrícia. "A demanda por partos nos surpreendeu", diz Ceccon. A seletividade para os atendimentos não significa capacidade ociosa: na tarde do dia 19 de julho, todos os leitos do atendimento de emergência estavam ocupados.

O funcionamento em "porta fechada" é um tema delicado e Ceccon rebate com veemência o conceito. "Hospitais como o de Sapopemba funcionam dentro do pressuposto de hierarquização presente no SUS. Somos uma unidade de média complexidade. Não fazemos cirurgia cardíaca, neurocirurgia ou atendimento a queimados, que são encaminhados a outros hospitais, de alta complexidade. Também não fazemos diagnósticos, tarefa das unidades básicas. Não faz mais sentido algum ter um hospital universal", diz.

O contrato de gestão não torna o Hospital de Sapopemba mais barato. O orçamento do Sapopemba passou de R$ 28,8 milhões para R$ 38 milhões entre 2005 e 2006. Já atinge os R$ 36 milhões investidos para a implantação do hospital. (CF)