Título: Egito faz primeira eleição de verdade desde os faraós
Autor: Zayed ,Dina
Fonte: Valor Econômico, 03/04/2012, Especial, p. A16

Adel Abdeen diz ser o filho secreto de Farouk, o último rei do Egito, que foi deposto em um golpe em 1952 e sucedido por líderes militares que, segundo ele, não sabem o que fazer.

Seguro na convicção de que pode fazer melhor, Adel pretende jogar o nome ilustre na campanha da primeira eleição presidencial democrática do Egito em 7.000 anos de faraós, monarcas e líderes militares.

Ele se junta a quase mil outros egípcios de todas as classes e origens - eletricistas, trabalhadores de escritório, jornalistas e até um coveiro - que disputarão as eleições numa tentativa de substituir Hosni Mubarak, o ex-comandante da Força Aérea cujas três décadas no poder acabaram em 2011, após uma revolta popular.

"A revolução começou porque o Exército não pode conduzir o país. Essa nunca foi sua função. Eles não têm nada a ver com política", diz Adel, que está usando o nome Farouk em sua campanha, enquanto segura a bandeira verde da monarquia. "Foram os militares que se voltaram contra o rei."

Adel diz que sua mãe, uma atriz que morreu quando ele era criança, teve um caso com o rei Farouk. Esse homem alinhado de 66 anos, cuja página no Facebook tem 130 membros e que se autointitula "Rei do Egito e do Sudão", promete reviver a monarquia se vencer.

Adel vem sendo ridicularizado por muitos e virou motivo de chacota na imprensa, mas suas preocupações são reais. Assim como muitos outros egípcios, ele fala das frustrações com a maneira como o país vem sendo conduzido, e da decepção com o fato de que um conselho militar está conduzindo a transição para a democracia.

Poucos conseguirão os 30 mil apoiadores registrados necessários para disputar as eleições, que serão realizadas em maio e junho. Mas a determinação dessas pessoas de se envolver no processo é muito eloquente das mudanças ocorridas nos egípcios, que até a Primavera Árabe do ano passado pareciam congelados em um cinismo passivo provocado pelo regime autocrático.

Eles não deverão ter chances contra a dúzia de políticos peso-pesados que já declararam a intenção de concorrer, como o ex-presidente da Liga Árabe Amr Moussa e o ex-líder da Irmandade Muçulmana Abdel Moneim Abol Fotouh, mas seus antecedentes humildes não os estão impedindo de ter propostas para o país.

Diante da sede do comitê eleitoral, candidatos a candidatos tentam conseguir um pouco das atenções da mídia. Um deles diz à Reuters que pretende restabelecer o regime dos faraós. Outro afirma que está apenas seguindo seu destino. Um terceiro, que usa chinelos e roupa rasgada suja de lama, e diz ser catador de lixo, afirma que os pobres vão se identificar mais com ele do que com qualquer político de paletó e gravata.

O secretário-geral do comitê eleitoral, o juiz Hatem Begato, diz ter ficado impressionado com o número de registros de candidatura, que são gratuitos, e o comitê precisou imprimir mais formulários. "Algumas dessas pessoas fazem os registros apenas para testar se há mesmo uma democracia no país, enquanto outras acreditam que se tiverem uma oportunidade podem fazer algo", diz ele à reportagem. Begato admite que alguns parecem ter mania de grandeza.

Ahmed Mansour, funcionário de um banco agrícola, diz que pegou um ônibus em Qena, 450 km ao sul do Cairo, para retirar sua documentação. "Este país foi muito injusto, uma era de trevas que se espalhou por 30 anos. Agora, após a revolução, todos têm o direito de concorrer. Isso é que é liberdade", diz ele.

Mas nem todo mundo parece motivado pelos mesmos ideais grandiosos. Um ladrão condenado, hoje regenerado, diz que está fazendo campanha baseada na experiência que tem e em sua capacidade de resolver os problemas de segurança do país. Quando abordado pela reportagem para entrevista, pediu dinheiro em troca.

Muitos dos candidatos a candidatos afirmam que não são inspirados pelos candidatos presidenciais conhecidos que declararam suas intenções de concorrer meses atrás. "Do ponto de vista clínico, nenhum dos candidatos está em condições de disputar as eleições por causa da idade", diz Hoda Farrag, um jornalista de 42 anos da cidade litorânea de Alexandria. Moussa, por exemplo, está com 75. "Quero dizer que o Egito tem muitos candidatos alternativos."

Christian Waguih Botros, 56, eletricista e quatro filhos, quer uma alternativa melhor para resolver o principal problema que não o deixa dormir à noite: a economia claudicante. "Esperei por um candidato com um forte programa econômico. Mas não vejo ninguém oferecendo mudanças profundas", diz ele em seu apartamento decorado com bonecas de porcelana e retratos de Jesus, em um bairro de classe trabalhadora do Cairo.

Botros diz que a imprensa não está dando chances reais a candidatos como ele, que está convencido de que, se os egípcios prestassem atenção à sua plataforma, eles o apoiariam. "Milhões de pessoas acordam todos os dias sem nada para comer e sem emprego", diz ele. "Essas pessoas famintas precisam ser alimentadas. Precisamos imediatamente de soluções dramáticas."