Título: Etanol é alternativa para os emergentes
Autor: Pryor, Christina e Vella, Matt
Fonte: Valor Econômico, 09/08/2006, Empresas, p. B10

Os carros híbridos são caros para o terceiro mundo? Enquanto muitos consumidores, investidores, cientistas e ativistas ambientais centram-se na importância de produzir carros híbridos para o mercado dos Estados Unidos, é justamente nos países emergentes que a necessidade por esses veículos e por outras tecnologias de pureza do ar pode ser ainda maior.

Nos últimos dez anos, mercados emergentes como Índia, China e América Latina viram o número de carros nas ruas subir exponencialmente. Dados da Agência Nacional de Estatísticas da China mostram que na metade desse tempo o número de carros particulares no país quase triplicou, passando de 6,25 milhões para 17 milhões.

Os indianos compraram 1,2 milhão de carros no ano passado e o número deve aumentar quase 10% ao ano no próximo qüinqüênio, de acordo com projeção da J.D. Power and Associates. A crescente "população" de carros nesses países não chega sem impacto ambiental. Um estudo da Agência Espacial Européia, de 2005, mostra que os poluentes no céu sobre a China dobraram nos últimos dez anos.

Para conter custos, alguns carros vendidos nesses mercados, bastante sensíveis à questão do preço, não possuem artigos básicos de segurança, como airbags e freios ABS. Como os carros híbridos nos Estados Unidos custam milhares de dólares a mais do que os convencionais é improvável que muitos dos compradores de carros novos no terceiro mundo consigam arcar com um custo extra para comprar um carro de menor impacto ambiental.

Esses mercados de alto crescimento, entretanto, representam oportunidades de lucro para as montadoras. Apesar da grande diferença entre o custo da tecnologia híbrida e a renda disponível dos consumidores, algumas montadoras começam a estabelecer programas piloto de vendas de híbridos. Em janeiro, a Honda começou a vender a versão híbrida de seu bem-sucedido modelo Civic, em uma das cidades mais poluídas do mundo, a Cidade do México.

Foi o primeiro país da América Latina a ter híbridos disponíveis à venda. A Honda espera vender 450 unidades, número pequeno, mas que representa um começo. No primeiro semestre de 2006, ela vendeu 15.755 unidades do mesmo modelo nos Estados Unidos.

Os executivos da Honda não estavam disponíveis para comentar o assunto, mas a empresa informou em e-mail que os carros híbridos precisarão ter preços mais baixos para ser aceitos amplamente nos Estados Unidos ou em outros lugares. "Em cerca de três anos, a Honda lançará um híbrido que não seja tão caro. Este híbrido será lançado globalmente, com vendas anuais previstas em 200 mil unidades em todo o mundo", de acordo com um porta-voz da empresa.

A Toyota espera vender cerca de 3 mil unidades de híbridos Prius na China neste ano. A meta é bem modesta, comparada às vendas mundiais. No primeiro semestre de 2006, a Toyota vendeu 48.156 unidades do mesmo modelo nos Estados Unidos.

O consultor independente especializado em transportes Michael Walsh, que também é bolsista da MacArthur Fellow, acredita que mesmo com as montadoras lançando tecnologias relativamente avançadas de controle da poluição, não conseguem acompanhar o crescimento da demanda. O alto custo das tecnologias mais limpas levou o foco da indústria e das autoridades governamentais para os combustíveis menos poluentes.

É o caso do Brasil. Bilhões em subsídios e quase 30 anos de trabalho deverão ter valido a pena. O país é líder mundial em tecnologia de combustíveis alternativos. Cerca de 20% do combustível usado em seus meios de transporte é composto por etanol. No restante do mundo, a porcentagem é de apenas 1%.

O clima favorável e a abundância de terras no Brasil tornam o país o perfeito candidato para cultivar cana-de-açúcar e, a partir dela, produzir etanol. Mesmo com a gasolina rendendo mais quilômetros por litro, o etanol é mais econômico. O combustível feito a partir da cana-de-açúcar é três vezes mais eficiente do que o etanol feito a partir de milho nos Estados Unidos, além de ser mais fácil de cultivar e processar.

O sucesso do etanol possibilitou que os motoristas brasileiros não precisem mais apostar em que tipo de combustível será mais barato, mas usar um ou outro produto ou uma combinação dos dois. Mais de 75% dos carros novos vendidos no país são modelos flex, aptos para funcionar com os dois combustíveis. A Volkswagen do Brasil anunciou a paralisação da produção de carros a gasolina, tornando-se a primeira montadora a produzir apenas a linha flex.

Especialistas em mercados emergentes dizem que a China, Índia e países do Sudeste Asiático e África poderiam tentar seguir o exemplo brasileiro de combustíveis baseados na cana-de-açúcar. Mas, como os governos e petrolíferas estatais dessas regiões mantém os preços da gasolina e os impostos baixos, não chegam nem perto do Brasil em usar esse potencial.

O diretor de pesquisa do Centro para o Transporte Sustentável, Embarq, órgão do Instituto de Recursos Mundiais, Lee Schipper, afirma que os esforços da Índia e China resultaram em uma drástica redução nas emissões de poluentes, aproximando-se dos padrões dos carros europeus e dos Estados Unidos. As preocupações ambientais ainda são fortes. "A má notícia é que as cidades da China e Índia estarão repletas de carros, mas pelos menos serão carros bons", avalia. Isso quer dizer carros com catalisadores e injeção eletrônica.

Embora soluções de médio prazo continuem ainda em desenvolvimento tanto nos Estados Unidos como nos países em desenvolvimento, alguns especialistas no setor dizem que a maior esperança de reduzir os veículos de alto consumo está em trocar as lições aprendidas em cada região.

Brent Dewar, vice-presidente de vendas, serviços e autopeças da GM vem trabalhando com combustíveis alternativos dentro da empresa desde o fim dos anos 70. Tornou-se um defensor da causa e formou um pequeno grupo de entusiastas para promover novas tecnologias.

"A chave é retardar todo mundo um pouquinho. É preciso fazer as pessoas compreenderem", diz Dewar, que trabalhou em iniciativas de combustíveis alternativos no Canadá e nas operações da GM no Brasil. Os que trabalharam com Dewar dizem que suas experiências no Brasil em meados dos anos 90, quando o país estava colocando em prática sua estratégia de etanol, ajudaram a influenciar o trabalho da montadora com etanol nos Estados Unidos.

Da mesma forma que muitos outros, tanto dentro como fora do setor, Dewar admite que ainda há muito progresso por vir nos combustíveis alternativos e na tecnologia híbrida. "No fim, leva muito tempo para concretizar uma grande idéia." Até que uma grande idéia ganhe forma, os avanços no mundo em desenvolvimento provavelmente continuarão sendo frutos de mercados individuais e de suas diversas limitações, tanto econômicas como tecnológicas.