Título: Acabou-se o tango
Autor: Santiso,Javier
Fonte: Valor Econômico, 24/04/2012, Opinião, p. A13

Os países emergentes estão na moda. Ainda assim, nem todos são economias vibrantes ou têm sociedades estáveis. O desmoronamento das ditaduras no Norte da África e Oriente Médio em 2011 nos lembrou disso. Os mercados emergentes reservam, às vezes, riscos profundos, sendo que o primeiro deles é o risco político. De fato, seria possível definir um país emergente como uma economia em que os ciclos políticos e financeiros estão intimamente vinculados.

A estatização da YPF, filial da Repsol na Argentina, nos recorda isso. Esses mercados carregam risco político. A decisão unilateral por parte do governo argentino de ficar com os ativos da multinacional espanhola não é inédita na América Latina e em outros países emergentes. Na América Latina, a Venezuela e a Bolívia também se comportaram de forma similar nos últimos dez anos, tomando o controle de ativos energéticos em mãos de operadores estrangeiros. Isso não ocorreu há um século, mas na década passada. Igualmente, a petrolífera russa Yukos foi estatizada de maneira repentina pelo regime de Putin.

A história nos recorda que nesses assuntos há muito esquecimento. Apesar dos litígios e das estatizações na Venezuela, a italiana ENI que havia processado o Estado venezuelano não demorou em voltar a fazer negócios no país com a estatal PDVSA. É possível que não demore muito para vermos desembarcar novos investidores na Argentina para ficar com os poços desocupados pela Repsol. Isso poderia ocorrer via estatais chinesas, em particular, a Sinopec. De fato, a China já havia se convertido em 2011 em um dos principais investidores estrangeiros no país sul-americano, especialmente no setor petrolífero, sendo seu segundo maior parceiro comercial, à frente de qualquer país europeu.

O que o caso da Repsol YPF ilustra precisamente é a mudança no equilíbrio de poder que vem ocorrendo nos países emergentes. O "Norte", Europa incluída, pesa menos; os fluxos comerciais e industriais já se organizam na esfera "Sul-Sul", da mesma forma que os fluxos de investimentos. Gostemos ou não, a Espanha já não pesa tanto na balança na hora de arbitrar entre Europa e Ásia.

De forma geral, as empresas espanholas se internacionalizaram de maneira ampla ao longo dos últimos 20 anos. A América Latina desempenhou e continua desempenhando papel central nessa acertada aposta. Em 2012, a Espanha é um dos países que mais se internacionalizou se mensurarmos esse processo pelo volume de investimentos voltados ao exterior, que representou nada menos do que 51% do Produto Interno Bruto (PIB) espanhol. O volume, 15 anos antes, era de 3,6%.

A aposta foi e é acertada. Em 2012, enquanto a Espanha continuará retrocedendo, com uma recessão que se aproximaria dos 2%, a América Latina crescerá mais de 4%, de forma que o diferencial em termos de crescimento entre o país e a região será de 6 pontos percentuais como um todo. O que o caso argentino nos faz lembrar é que os emergentes continuam sendo multifacetados e que, agora, mais do que nunca, é preciso ser seletivo na hora de fazer apostas.

Nas próximas semanas e meses, parte da equação argentina será resolvida não com o envolvimento da Europa ou dos Estados Unidos, mas com o de outros países emergentes. É interessante recordar que embora a instituição financeira espanhola Caixa seja a maior acionista da Repsol (com 13%), outro dos grandes acionistas é a petrolífera mexicana Pemex (com quase 10%). Ou seja, a Repsol tem aqui um grande aliado. De fato, o apoio morno dos europeus contrasta com o apoio incondicional mostrado pelo presidente Calderón, do México.

Também é interessante recordar que outro país-chave no desenlace na Argentina será a China, outro emergente. A chinesa Sinopec já é parceira estratégica da petrolífera espanhola no Brasil. Mais do que isso, o maior investimento já realizado pela China na América Latina e um dos maiores no exterior foi feito em aliança com a multinacional espanhola.

No passado, a Sinopec já mostrou interesse em entrar na YPF. Não será surpresa se, no futuro, ouvirmos de novo conversas a respeito. Mais do que nunca, o destino da Espanha está nas mãos dos emergentes... (Tradução de Sabino Ahumada)

Javier Santiso, é professor de economia na escola de administração Esade e diretor do Centro de Economia e Geopolítica Global da Esade (Esadegeo).