Título: Estados descobrem o mercado de capitais
Autor: Vieira, Catherine
Fonte: Valor Econômico, 10/08/2006, Primeiro Caderno, p. A14

Nelson Perez/valor Paulo Henrique Todaro, sócio da Mercatto, gestora do fundo de royalties de Sergipe: operações de securitização obedecem à Lei de Responsabilidade Fiscal Os instrumentos mais sofisticados do mercado de capitais já extrapolaram a esfera do capital privado. Vários Estados da federação já utilizam Fundos de Investimento em Direito Creditório (FIDC), debêntures ou leilões de títulos no mercado como forma de captar recursos. No ano passado, o Rio de Janeiro estruturou o primeiro FIDC com lastro em royalties de petróleo, com o qual captou R$ 600 milhões.

A iniciativa do Rio foi seguida por Sergipe, que espera captar R$ 20 milhões. A novidade agora é um FIDC estruturado pelo Estado de Goiás, lastreado em créditos fiscais, ainda em análise pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Outra frente de captações em franca expansão são os leilões de títulos relativos ao Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS) na Cetip. A pioneira foi a Bahia, em 2004. No ano passado, a Bahia voltou a captar e este ano Paraíba e Alagoas seguiram o mesmo caminho, com a realização de leilões de FCVS na Cetip. No total, os três Estados conseguiram levantar R$ 335 milhões com a venda dos títulos.

Seja com leilões de títulos ou com a estruturação de FIDCs, a lógica da captação de recursos é parecida. "Os Estados possuem valores a receber e vendem esses direitos a um terceiro com um deságio, que é o prêmio que será percebido pelo agente que vai ficar com os direitos de recebimento no futuro", explica José Alexandre Freitas, sócio da Oliveira Trust, que administra fundos com lastro em FCVS.

Em resumo, é um mecanismo bem semelhante ao velho desconto de duplicatas, no qual o banco antecipa o recurso a vista para o cliente que lhe passa a duplicata a receber. Para ter esse recurso no presente, o cliente paga uma taxa, ou seja, recebe menos do que o valor que receberia no futuro.

Goiás está estruturando um fundo de investimento em direitos creditórios (FIDC), o chamado Recebíveis Goiás, que lhe permitirá utilizar o mercado financeiro como forma de captar recursos, dando a dívida ativa já inscrita como garantia. A meta do fundo é captar R$ 30 milhões. O fundo ainda está em análise na Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

O advogado Osmar Simões, sócio do Motta, Fernandes Rocha Advogados, estruturador do fundo, explica que se baseou em uma manifestação pública da CVM, em resposta a uma consulta feita pela prefeitura de Belo Horizonte, no ano passado, na qual a autarquia dizia que, em tese, não havia oposição à estrutura de um fundo cujos ativos fossem fluxo resultante do recebimento de créditos fiscais.

A iniciativa pioneira de acesso ao mercado de capitais, porém, foi do Rio Grande do Sul, que desde 1996 faz emissões de debêntures da Caixa de Administração da Dívida Pública Estadual (Cadip), com as quais já captou mais de R$ 1 bilhão. Na época em que foi criada a Cadip, os chamados recebíveis securitizados ainda não tinham sido regulamentados. Para os agentes que estruturam as operações, a expectativa é que esses novos instrumentos passem a ser cada vez mais usados pelos Estados e outras entidades públicas.

O diretor da Mellon Brasil, Roberto Pitta, espera gerar novas operações com base em royalties não apenas de petróleo (como já foi feito na Bacia de Campos e Estado de Sergipe), mas do setor hídrico e elétrico. Também há negociações para fazer emissões lastreadas em receitas do uso da rede elétrica de transmissão, e de pagamentos de concessões privadas de água, além de securitização de recebíveis de ICMS.

Pitta prevê que o maior crescimento do mercado de FIDC ocorra com emissões de Estados e municípios, que poderiam captar, segundo ele, a 110% ou 115% do CDI com base nos recebíveis. Na negociação com os Estados, Pitta apresenta as emissões como uma maneira de captar sem infringir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Ainda há no entanto, discussões jurídicas sobre quais os tipos de operações podem ser formatadas sem ferir a LRF - que coíbe a antecipação de receitas. Embora as operações sejam registradas na CVM e na Cetip, ou seja, públicas e portanto de conhecimento do Tesouro Nacional, do Banco Central e dos Tribunais de Contas, ainda há alguma discussão jurídica em torno do tema. Os gestores e estruturadores têm procurado se calçar em pareceres legais e estudado a fundo a legislação como forma de se precaver.

Outro cuidado tomado pelos estruturadores de FIDCs é o de formatar os fundos apenas com recebíveis que representam receitas a receber dos atuais mandatos dos governos e não entrar nos recebíveis a vencer nos mandatos seguintes. "O fundo precisar terminar dentro do período do mandato", explica Paulo Henrique Todaro, sócio da Mercatto, gestora do fundo de royalties de Sergipe. "Por isso essa captação será pequena, de R$ 20 milhões", completou Todaro.

O executivo da Mercatto afirma que a gestora se aprofunda constantemente na questão da legislação e busca pareceres legais. "No caso dos royalties o entendimento é que não são receitas orçamentárias, mas sim um direito de participar de uma compensação obtida pelo uso dos recursos naturais", disse Todaro. "Além disso, a securitização é a venda ao mercado de um fluxo de caixa e não constitui um endividamento, o que estaria em conformidade com a LRF e a resolução do Senado", acrescentou ele. Outros especialistas costumam lembrar que os FIDCs não são computados como dívida também nos balanços das companhias e por isso muitas vêm recorrendo a este instrumento.

Procurado, o Tesouro não se dispôs a comentar o assunto.