Título: Inflação deve ficar próxima de 3% no ano
Autor: Lamucci, Sérgio e Salgado, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 04/09/2006, Brasil, p. A4

As perspectivas para a inflação estão cada vez mais favoráveis. Com a valorização do câmbio, os reajustes modestos de preços administrados e o crescimento moderado da economia, os analistas continuam a revisar para baixo as previsões para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) neste ano - e também para o próximo. Há várias projeções que apontam uma inflação próxima de 3% em 2006, como as do Credit Suisse e do Unibanco, bem inferiores ao centro da meta estabelecida pelo governo, de 4,5%. Para 2007, as estimativas começam a cair para a casa de 4%.

Além da queda, os economistas enxergam uma mudança estrutural na inflação. Com a expectativa de um câmbio mais estável e de menor inércia inflacionária, a avaliação é de que os índices vão se consolidar no patamar de 4% a 4,5% nos próximos anos.

Para o economista-chefe do HSBC, Alexandre Bassoli, o câmbio é o grande responsável pela queda da inflação e das projeções para este ano. A influência do dólar fica evidente quando se analisa a evolução dos preços dos bens comercializáveis do IPCA - os que são afetados diretamente pelo dólar, já que são os produtos que o Brasil exporta e importa. Nos 12 meses terminados em julho, eles subiram 0,46%, muito abaixo dos 3,97% registrados pelo IPCA no período. Os não-comercializáveis, como aluguéis e serviços, aumentaram 4,28%.

Bassoli, que aposta num dólar de R$ 2,15 no fim do ano, reduziu recentemente sua previsão para o IPCA em 2006 de 4% para 3,7%, projeção que embute aumento da gasolina de 6% na bomba. Se o reajuste não ocorrer, o IPCA ficará em 3,3%, avalia.

Os economistas do Credit Suisse diminuíram sua estimativa para este ano de 3,6% para 3,2% - previsão que não considera nenhum reajuste de combustíveis, mesma hipótese do Unibanco, que aposta em 3,3%.

O Credit Suisse acredita que o dólar barato vai continuar a contribuir para a manutenção da inflação abaixo de 4% nos próximos meses. "Apesar de a importância do câmbio estar se reduzindo, ele ainda mantém uma papel determinante para a inflação. Os benefícios da apreciação cambial ocorrida desde meados de 2004 ainda não foram totalmente refletidos no IPCA", afirmam os economistas do banco.

O ritmo moderado de expansão da economia também deixa o Credit Suisse confortável para projetar inflação controlada. O banco aposta em crescimento de apenas 3% em 2006 e 2007, o que significa que a demanda não deverá pressionar os índices de preços. Para 2007, o banco revisou sua estimativa de 4,2% para 4%.

O comportamento dos preços administrados também assegura uma inflação baixa neste ano. O banco estima alta de apenas 0,5% no terceiro trimestre, bem abaixo dos 2,1% do mesmo período do ano passado. Os administrados estão baixos principalmente devido à variação dos Índices Gerais de Preços (IGPs), que servem de referência para a correção de muitas tarifas públicas.

Isso tem sido fundamental para reduzir a inércia, o mecanismo pelo qual a inflação passada alimenta a inflação futura. Com uma inércia mais fraca, fica muito mais fácil para o BC manter a inflação na casa de 4% a 4,5% nos próximos anos.

A mudança estrutural na inflação brasileira tem ocorrido devido à permanência da valorização do real em relação ao dólar e à menor indexação da economia. Como a inflação tem caído ano a ano, o seu efeito sobre os períodos seguintes também tem sido menor. A inércia inflacionária tem perdido força.

Na avaliação de Carlos Thadeu Gomes Filho, do grupo de conjuntura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), "a inflação mudou de padrão". Antes, segundo ele, o país tinha uma inflação de 5%, com desvios de 2% para cima ou para baixo. Agora, ela gira em torno de 3,5%, com um desvio menor, cerca de 1%, também para mais ou menos.

Para o economista Paulo Miguel, da Quest Investimentos, o panorama inflacionário no Brasil mudou muito nos últimos anos, principalmente devido ao ajuste das contas externas. Hoje, sobram dólares para o país, por conta dos fortes superávits comerciais e da redução da dívida externa, o que garante uma trajetória menos volátil para o dólar. Mesmo com alguma desaceleração da economia global, ele estima um câmbio de R$ 2,30 no fim do ano que vem. A percepção de que o câmbio permanecerá em níveis mais valorizados por muito tempo "aumenta progressivamente as cadeias de importação de bens finais e intermediários", afirma Miguel. Esse processo favorece o controle da inflação, embora seja ruim para a produção doméstica, nota ele.

Bassoli aponta ainda um outro fator importante para a redução da volatilidade da inflação nos próximos anos: o amadurecimento do regime de metas. Este será o terceiro ano seguido de cumprimento da meta pelo BC, afirma. Para Bassoli, isso facilita o trabalho da instituição de ancorar as expectativas dos analistas, o que é fundamental para assegurar uma inflação baixa e previsível por muitos anos. A crença de que a meta será atingida torna seu cumprimento mais fácil, diz ele, uma vez que contratos como aluguéis e negociações salariais tendem a levar em conta também a inflação futura.

Em linha com a avaliação de Miguel, o economista da UFRJ, Gomes Filho, crê que o câmbio tem papel fundamental nessa mudança estrutural. Com a queda das exportações e o aumento do consumo de importados, a concorrência aumenta e isso tende a derrubar preços. Além disso, ele ressalta que, embora tenha havido crescimento do emprego, da renda e do crédito nos últimos anos, a capacidade de expansão do consumo é restrita.

Há quem esteja menos convicto sobre a existência de uma mudança estrutural. O economista Luis Roberto Cunha, da PUC do Rio de Janeiro, prevê uma inflação ao consumidor de 4,5% em 2007. Ele diz que os fatores que funcionaram como âncora para os preços em 2006 estarão presentes no próximo ano, mas não terão um papel tão forte na derrubada da inflação. O câmbio tende a sofrer uma ligeira depreciação e deve chegar a R$ 2,35. Ao mesmo tempo, a contribuição dos produtos agrícolas não deverá ser mais tão favorável. Os preços administrados também devem subir em relação a 2006, já que os reajustes negativos nas tarifas de energia elétrica e telefonia fixa não vão se repetir.

No entanto, Cunha concorda com Gomes Filho e diz que é preciso se fazer muita bobagem para que a inflação volte a subir na casa de 6% a 7%. "Mesmo que o real se deprecie em relação ao dólar, não haverá um impacto muito grande sobre os preços. E a menor indexação da economia continuará a existir", explica.

Tatiana Pinheiro, economista do ABN Amro Bank, prevê uma inflação em 4% em 2007. Mas ela já contava com esse número em sua projeções desde o final de 2005. Para ela, a adoção do sistema de metas tem conseguido trazer a inflação brasileira para um patamar mais condizente com o padrão mundial, que é abaixo de 4%. "O preço de hoje sofre influência do de ontem então, dentro desse processo, é natural que a inflação rode em patamares menores", diz.