Título: Philips traça o futuro de olho na saúde do consumidor
Autor: Facchini, Claudia
Fonte: Valor Econômico, 31/08/2006, Empresas, p. B1

A Philips investirá alguns bilhões de euros para desenvolver o que considera ser a tecnologia do futuro. Não se trata de um superchip, um megatelevisor e passa bem longe do entretenimento. A nova sensação dentro da multinacional holandesa chama-se medicina molecular e envolve, segundo ela mesma define, "o estudo das mudanças celulares que ocorrem no corpo antes mesmo do aparecimento dos sintomas de uma doença". A idéia é desenvolver equipamentos que permitirão diagnosticar e tratar enfermidades antes que as pessoas fiquem doentes.

Em outubro, o grupo holandês inaugura na cidade de Eindhoven, na Holanda, onde fica um dos seus principais centros de pesquisa no mundo, uma nova divisão que faz parte de um projeto de longo prazo. Os primeiros produtos comerciais dessa unidade, que deve contar inicialmente com cerca de 100 cientistas de diferentes áreas, como biologia e genética, devem chegar ao mercado em cinco anos.

A empresa não revela as cifras que serão investidas no projeto de medicina molecular, mas certamente o valor ficará na casa dos bilhões de euros já que este passará a ser um programa de prioridade máxima do grupo. A Philips destina 1% do faturamento anual, que foi de 30,4 bilhões de euros em 2005, somente à pesquisa e um terço desse valor é desembolsado com projetos de natureza investigativa.

Embora os produtos de entretetenimento sejam a face mais sexy para o consumidor, a principal marca européia de aparelhos eletrônicos elegeu a área de equipamentos médicos e de cuidados com a saúde como a mais importante para o futuro da companhia. A Philips, a primeira empresa do mundo a fabricar um tubo de raios-X para aplicação médica, em 1896, vem investindo pesadas somas nesse mercado, no qual divide a liderança mundial com outras duas gigantes, a americana GE e a alemã Siemens. Hoje, a Philips detém 22% do mercado mundial, estimado em US$ 180 bilhões, de acordo com a empresa.

Entre 2002 e 2003, o grupo gastou 5 bilhões de euros para comprar fabricantes de ultra-som e fornecedores de softwares, entre outras empresas, e dobrou o tamanho da divisão médica, que já respondeu em 2005 por 20% de suas vendas globais.

Os mercados de semicondutores e componentes eletrônicos, incluídas fábricas de cinescópios e telas de LCD, deixam de ser importantes. O grupo acaba de vender por 3,4 bilhões de euros sua divisão de chips e, segundo a imprensa mundial, busca comprador para os seus 33% de participação na LG.Philips LCD, joint venture com a coerana LG que produz painéis de tela plana. Um dos possíveis interessados na empresa, avaliada em US$ 5 bilhões, é a Matsushita, do Japão, fabricante da marca Panasonic.

Com a venda de mais essa divisão, a Philips engorda o caixa para investir na área médica. Ela já fabrica sistemas de diagnósticos por imagem, como os sofisticados aparelhos de tomografia computadorizada, equipamentos de ultra-som, raios-X e ressonância magnética, além de desenvolver softwares e prestar serviços de gestão e manutenção a hospitais e clínicas.

-------------------------------------------------------------------------------- Philips divide a liderança do mercado mundial de equipamentos médicos com a americana GE e a alemã Siemens --------------------------------------------------------------------------------

Antes de ser só um negócio atraente em termos de vendas, a divisão médica mostra ser também uma fonte de lucro crescente. Relatórios de analistas europeus sobre os resultados financeiros da Philips, informam que as margens da divisão médica ficaram acima das previsões, com um salto de 6,8% para 12% do primeiro para o segundo trimestre deste ano (pelo critério Ebit, sigla em inglês para lucro antes de juros e impostos).

As marcas consolidadas de produtos eletrônicos de consumo não conseguem ganhar tanto dinheiro com novidades que podem ser rapidamente produzidas em massa pelas gigantes asiáticas e que se transformam em commodities baratas em pouco tempo. Foi isso o que aconteceu com as telas de LCD e plasma. Em apenas dois anos, os preços das TVs e dos monitores de computador despencaram ao redor do mundo. No Brasil, o custo desses aparelhos caiu ao menos pela metade em um ano.

É curioso que uma marca associada ao entretenimento queira estar conectada ao sofrimento humano, ou melhor, à cura dele. A empresa explica que não há conflito. Pelo contrário. Dentro de seu novo posicionamento estratégico - chamado internamente de "sense and simplicity" e lançado pelo executivo-chefe Gerard Kleisterlee há cerca de três anos - ela é uma empresa pautada pelo bem-estar e voltada ao indivíduo, em todas as suas necessidades.

E a revolução que a medicina molecular irá causar na vida das pessoas está apenas no começo. "Ainda levará 50 anos para entender como os genes funcionam dentro do corpo humano. E esse é um assunto global, que envolve todos os países. O mercado de cuidados com a saúde passará por fortes transformações nos próximos anos", disse ao Valor o vice-presidente executivo Trevor Hawkins, que assumiu há apenas três meses a cadeira de cientista-chefe da divisão médica e o cargo de principal executivo de tecnologia da Philips. Substituiu Ad Huijser, que aposentou-se em abril.

Hawkins é uma grande aposta da Philips. Ele presidiu a área de diagnóstico molecular da GE e tem mais de 50 artigos publicados na área de ciência genética. "Sabe-se que apenas 11 ou 12 genes determinam se o organismo reagirá bem a 70% dos remédios existentes", diz Hawkins.

Uma das novas tecnologias estudadas pela Philips trabalha com microbolhas de gás, do tamanho de uma célula de sangue, que podem ser injetadas no corpo. Essas bolhas, que já são usadas como agentes de contraste em exames de diagnóstico de imagem, podem no futuro carregar medicamentos. Com o uso de um equipamento de ultra-som, essas bolhas poderiam ser rompidas em um local exato, como um tumor, possibilitando uma aplicação mais precisa e eficaz das drogas. Isto reduziria os efeitos colaterais nos tratamentos.

"A forma como as pessoas lidam com a saúde também muda. Até 1900, era Deus o responsável por ela. Depois, passaram a ser os médicos. Hoje, as próprias pessoas fazem a gestão de sua saúde", diz Gert van Santen, diretor de comunicação corporativa da divisão de cuidados com a saúde da Philips. Relógios esportivos que monitoram o desempenho do organismo, como o batimento cardíaco, são um exemplo dessa nova visão.

A Philips lançou há duas semanas no EUA um equipamento, batizado de Motiva, que permite monitorar, por meio de um televisor, uma pessoa com alguma doença crônica. Em vez de ser mantida no hospital, a um custo elevado, o paciente fica em casa e envia pela internet ao hospital dados como batimento cardíaco, peso e pressão. Por enquanto, a máquina deve ser vendida apenas a empresas de seguro saúde pois o preço é alto.

Pessoas com problemas cardíacos, em particular, são potenciais usuários do Motiva. Na visão da Philips, os distúrbios do coração serão o mal do futuro à medida que as pessoas vivem cada vez mais em ambientes de stress. Os dados são alarmantes: 20% dos cidadãos europeus sofrem de doenças cardiovasculares, que respondem por 40% das mortes na Europa. Paralelamente ao Motiva, a Philips criou o programa "Meu coração", um projeto em parceria com outras 33 empresas de vários segmentos, como as empresas de telefonia celular Vodaphone e Nokia, para o desenvolvimento de novas soluções.

A repórter viajou a convite da Philips