Título: Lula vai ao ataque
Autor: Paiz, Tiago; Iunes, Ivan
Fonte: Correio Braziliense, 15/10/2010, Política, p. 2

Presidente defende Dilma; FHC a chama de ¿duas caras¿

Diante do cenário desfavorável a Dilma Rousseff no segundo turno, Lula assumiu a linha de frente em defesa da pupila. Em evento oficial no Piauí, o presidente disse que foi vítima de calúnias em campanhas anteriores. ¿A quantidade de vezes que tive de responder sobre aborto é enorme. Diziam que eu ia fechar igreja evangélica, fazer isso ou aquilo, que não ia cuidar dos pobres¿, lembrou. A intervenção de Lula busca conter a sangria de votos da candidata e superar as divergências na organização da campanha. A reação dos adversários veio horas depois. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que em setembro havia admitido a vitória de Dilma Rousseff no primeiro turno, subiu ao ringue novamente. Chamou a ex-ministra de ¿duas caras¿ e disse que os petistas ¿caíram da cadeira¿ com o resultado das urnas.

Lula toma as rédeas para evitar naufrágio

Pesquisas desfavoráveis, boatos de fundo religioso e descoordenação na campanha de Dilma Rousseff fazem com que o presidente assuma postura mais incisiva na reta final

Com a organização de campanha em desacordo, pressão crescente de aliados por poder de decisão e diante de pesquisas desfavoráveis (veja quadro), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu tomar parte das rédeas da corrida presidencial petista para evitar um naufrágio. O movimento, que teve contrapartida imediata no PSDB, com forte discurso do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ontem à noite (leia mais na página 4), foi decidido diante da fragilização dos principais articuladores do PT na condução da candidatura de Dilma Rousseff (PT). A aliança governista não se entende nem sobre a melhor estratégia para estancar a sangria de votos, especialmente frente ao eleitorado religioso.

Em evento oficial do governo em Teresina, Lula assumiu a linha de frente em defesa da pupila. "A quantidade de vezes que tive de responder sobre aborto, sobre coisas que não eram de responsabilidade da Presidência, é enorme. Diziam que eu ia fechar igreja evangélica, fazer isso ou aquilo, que não ia cuidar dos pobres", afirmou. O tom elevado foi decidido depois que Dilma, sem saber como responder à investida religiosa, viu crescer o fogo amigo. Petistas passaram a criticar a abordagem dela com igrejas evangélicas. A avaliação é que ela ficou refém da agenda proposta por não ter tido uma posição proativa.

Depois de dizer que faria uma carta aberta reforçando a valorização da vida, contra o aborto e o casamento entre homossexuais, a petista esquivou-se de responder a questão ontem, afirmando que esse é um tema da coordenação da campanha. Os bombeiros entraram em cena para esclarecer que a ex-ministra é contra o casamento gay e que não assinará um documento contra a união civil homossexual. Na véspera, a petista não havia deixado clara a sua posição.

Vira-latas Frente à falta de um discurso unificado, Lula traçou o que deve ser a linha de defesa da presidenciável: acusou a oposição de repetir a estratégia de plantar uma onda de boatos infundados, que já teria sido utilizada contra ele em eleições passadas. A 77 dias de concluir sua passagem pelo Planalto, Lula pediu que a população não conduza o país ao retrocesso. "O povo é dono do país. E não pode permitir que voltemos ao passado do desespero, do desemprego, do descaso. Cansamos de sermos tratados como vira-latas", disse.

O presidente ainda criticou os candidatos derrotados à reeleição ao Senado Mão Santa (PSC-PI) e Heráclito Fortes (DEM-PI), por terem votado a favor da derrubada da CPMF. "Eles pensaram que iam me prejudicar, mas prejudicaram ao povo que precisa do SUS (Sistema Único de Saúde), de pronto-socorro, de remédio. Mas Deus escreve certo por linhas tortas", disparou Lula. Antes da fala, o espaço reservado às estratégias de campanha vinha sendo alvo de disputa pelo PMDB, que desconfiava do trio de coordenadores petistas, formado por José Eduardo Dutra, Antonio Palocci e José Eduardo Cardozo. A própria candidata reduziu a autonomia do grupo. Ontem, o candidato a vice, Michel Temer (PMDB), e o deputado Moreira Franco (PMDB-RJ) tiveram encontros na CNBB e na OAB. Temer fez uma pregação para retirar a questão religiosa do debate. "Não devemos ficar só nesse tema. A questão religiosa deve desaparecer daqui para a frente. A discussão sobre o aborto não é útil, já se esgotou", afirmou. Ao mesmo tempo, petistas acionaram a campanha para alertar que estender a discussão religiosa para direitos de grupos homossexuais deixaria sequelas em grupos GLBT ligados ao PT. Pior: poderia afastar eleitores ao trazer à tona um tema tratado apenas de forma marginal.

Sem saber como sair da defensiva, integrantes da campanha limitam-se a dizer que o principal ensinamento do primeiro turno é não confiar em pesquisas. Especialistas em levantamentos eleitorais dizem que a petista consegue se escorar no grupo de eleitores beneficiados pelo Bolsa Família, que tem contrabalanceado a migração dos votos religiosos.

Compromissos Uma resposta pensada pela campanha à polêmica religiosa é o lançamento dos 13 compromissos de Dilma. O documento é preparado desde o início da corrida eleitoral, mas já teve o lançamento adiado reiteradas vezes. Agora, a promessa é de que será apresentado na próxima semana. Os temas tratados são: educação, saúde, cultura, segurança pública, cidades, desenvolvimento econômico, liberdades democráticas, soberania nacional, mobilidade urbana e meio ambiente.

A questão ambiental é sensível para trazer o apoio de Marina Silva. O problema é a dificuldade da candidata petista de apresentar sua posição sobre o tema. "As bases do plano de desenvolvimento da Amazônia Sustentável estão corretas. Seria uma contradição comigo mesma. Eu ajudei a colaborar, coordenei uma parte", disse Dilma. "O meu programa de meio ambiente é o desenvolvido pelo governo nos últimos anos, com aquela base, mas vamos ter que avançar mais", emendou.

O governo, no entanto, pretende fazer alterações no projeto, incluindo investimentos de infraestrutura, como as hidrelétricas do Rio Madeira, além de mineração e defesa nacional. Outra resposta é reforçar o time de coordenação de campanha. O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, vai se licenciar do governo para se dedicar à campanha.