Título: Ajuste fiscal, dívida pública e taxa de juros
Autor: Lacerda, Antonio C. de
Fonte: Valor Econômico, 14/09/2006, Opinião, p. A12

Do ponto de vista macroeconômico, depois dos avanços na queda da inflação e expressivo ajuste nas contas externas dos últimos anos, o desafio brasileiro se volta para o âmbito fiscal. A carga tributária tem sido crescente. De 24,6% do PIB (Produto Interno Bruto) em 1991, ela subiu continuadamente, atingindo 28,5% em 1998 e o recorde de 37,4% em 2005.

A arrecadação governamental em constante elevação permitiu a geração de significativos superávits primários, que tem sido crescentes desde 1999. O resultado primário das contas públicas é o obtido pela diferença entre a arrecadação do governo federal, estadual e municipal e suas respectivas empresas estatais, menos as despesas correntes, ou seja, sem levar em conta os custos financeiros (juros) sobre a dívida.

Este esforço fiscal, embora ainda em grande parte decorrente de uma crescente carga tributária e atrofia dos investimentos públicos, tem proporcionado uma relativa redução da relação dívida pública/PIB. A relação divida pública líquida/PIB é de cerca de 50% do PIB. Não se trata de uma proporção elevada, quando comparada com outros países, mas é uma dívida excessivamente concentrada no curto prazo e de elevadíssimo custo de financiamento.

Daí que é urgente reduzir o custo de financiamento da dívida pública. Em 2006, por exemplo, de janeiro a julho, o superávit primário consolidado do setor público atingiu R$ 62,8 bilhões, o equivalente a 5,4% do PIB. Esse resultado está 27% acima da meta de 4,25% do PIB. No entanto, como os gastos com o pagamento de juros sobre a dívida pública no mesmo período foram os maiores nos últimos quinze anos, de R$ 95,1 bilhões (8,2% do PIB), gerou-se um déficit nominal de R$ 32,5 bilhões (2,8% do PIB) - ver quadro abaixo.

Além de um esforço inevitável de redução dos gastos correntes e aumento da eficácia dos serviços públicos, é fundamental criar as condições para uma efetiva redução dos juros reais na economia. Os instrumentos para isso podem ser, entre outros, o aperfeiçoamento do sistema de metas de inflação e a estrutura da dívida pública, diferenciando as taxas de juros de curto e longo prazos. São procedimentos bem sucedidos em várias experiências internacionais e que poderiam ser adotados, mediante adaptações que, se conduzidos de forma competente, não representariam qualquer risco significativo de desestabilização.

Apesar da expressiva melhora dos fundamentos da economia brasileira nos últimos anos, que propiciou uma redução do risco externo, os juros reais ainda continuam os mais elevados do mundo, em cerca de 10% reais ao ano. O Banco Central vem diminuindo gradativamente a taxa de juros básica (Selic) nominal, que caiu 4,5 pontos percentuais nos últimos doze meses. Mas, como as perspectivas de inflação futura são cada vez mais baixas, as taxas de juros reais (ex-ante) continuam muito elevadas, pressionando o custo de financiamento da dívida pública, entre outros efeitos adversos.

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O ajuste fiscal brasileiro precisa contar com maior determinação na redução dos juros, para que o esforço de diminuição de gastos seja factível, dada a realidade brasileira. É preciso lembrar que o aumento dos gastos na área social, por exemplo, tem servido de amortecedor para as mazelas sociais, decorrentes do baixo crescimento econômico dos últimos anos e o considerável desemprego (10% da população ativa).

O déficit consolidado do setor público brasileiro, inferior a 3% do PIB, não é elevado para padrões internacionais. A União Européia, por exemplo, tem esse limite como um dos pré-requisitos para os seus países membros. No Brasil, é preciso direcionar ações, especialmente para diminuir a significativa carga de juros. Uma diminuição de 3 pontos percentuais na taxa real de juros média em 2006, por exemplo, propiciaria uma economia de R$ 30 bilhões nos gastos para o pagamento dos juros, o que praticamente teria eliminado todo o déficit nominal acumulado até o mês de julho.

Ou seja, da mesma forma que é preciso insistir na redução dos gastos correntes e na eficácia dos serviços públicos, torna-se cada vez mais necessário que a redução consistente das taxas de juros ocorra concomitantemente. É equivocado o raciocínio de que os juros só poderiam ser reduzidos mediante um outro quadro fiscal.

Já há, do ponto de vista fiscal, instrumentos perenes de controle, como a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei de Responsabilidade Fiscal, que propiciam uma relativa previsibilidade e transparência. Isso diminui substancialmente a força do argumento muitas vezes mencionado sobre uma aparente fragilidade do quadro fiscal. A intertemporalidade do ajuste precisa ser compatibilizada com o crescimento econômico, importante fator natural de geração de receitas, não só de impostos, mas na área da Previdência por exemplo, além de propiciar a diminuição da demanda por gastos sociais.

Assim como é preciso preservar os avanços da política macroeconômica brasileira, ao mesmo tempo, é fundamental que não haja acomodação. É necessário articular as políticas monetária, fiscal e cambial, para transformá-las, além de instrumentos de estabilização, também e principalmente, de crescimento e desenvolvimento.

Antonio Corrêa de Lacerda, doutor em economia pela Unicamp, é professor-doutor da PUC-SP e autor, entre outros livros, de "Globalização e Investimento Estrangeiro no Brasil" e co-autor de "Economia Brasileira", ambos pela Editora Saraiva. E mail: aclacerda@pucsp.br