Título: Aumento do gasto público traz mais riscos para Brasil
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Fonte: Valor Econômico, 15/09/2006, Finanças, p. C10

O aumento acelerado dos gastos públicos no Brasil e em outros países da América Latina tornou-se preocupante nos últimos dois anos e pode ampliar os riscos existentes para a região num momento especialmente delicado para a economia mundial, advertiu o Fundo Monetário Internacional. Boa parte dos recursos acumulados com o crescimento da atividade econômica nos últimos anos foi usada para financiar despesas que dificilmente poderão ser revertidas quando o mau tempo chegar, dizem os economistas da instituição na nova edição do seu relatório semestral sobre o cenário econômico global, divulgada ontem.

O FMI reconhece o progresso recente de países como o Brasil nessa área, mas avalia também que as dívidas do setor público continuam altas na região, o que pode prejudicar sua capacidade de reação quando a conjuntura mudar. A dívida do Brasil é superior a 50% do Produto Interno Bruto (PIB) e é uma das mais altas da região por essa medida.

O Fundo vê a política como outra fonte de preocupação na América Latina, com eleições marcadas no Brasil e em vários outros países da região até o fim do ano. "A incerteza política permanece uma preocupação, refletindo em parte questões sobre a habilidade dos governos de vários países de resistir a medidas populistas", afirma o relatório.

As projeções do FMI sugerem que a economia brasileira crescerá 3,6% neste ano e 4% no próximo. Se os seus economistas estiverem corretos, o desempenho do Brasil será o pior entre os países emergentes e ficará abaixo da média mundial. O Fundo prevê que o mundo crescerá 5,1% neste ano e 4,9% no próximo.

O diretor-adjunto do departamento de pesquisas do FMI, Charles Collyns, observou que o Brasil tornou-se mais resistente às mudanças de humor do mercado financeiro, mas reconheceu que as taxas de crescimento do país têm sido "desapontadoras" e disse que será preciso ter "paciência" para que isso mude.

Ele enfatizou a necessidade de reformas no setor público. Lembrando que o orçamento brasileiro é muito rígido e em grande parte comprometido com despesas obrigatórias em certas áreas, ele sugeriu que se busquem maneiras de "focar os gastos públicos" em programas sociais como o Bolsa-Família e investimentos em infra-estrutura.

"A receita tributária tem aumentado rapidamente e abriu algum espaço para o gasto público crescer, mas achamos importante que ele seja mais focado", afirmou Collyns. Ele também defendeu esforços para fazer avançar a contratação de projetos de infra-estrutura por meio de parcerias público-privadas (PPP), um modelo que o governo tem encontrado grandes dificuldades para implementar.

Collyns também recomendou reformas na área financeira para baixar os juros, como a redução dos depósitos compulsórios e mudanças nas normas que obrigam os bancos a emprestar para habitação, agricultura e outras áreas. "A combinação de um ambiente macroeconômico estável e um sistema financeiro mais eficiente com taxas de juros mais baixas permitirá um crescimento maior", afirmou Collyns.

Numa conversa com jornalistas brasileiros depois da divulgação do relatório do FMI, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, disse que o país "está no caminho certo" e preferiu não ampliar a preocupação com as contas do governo, lembrando que as metas fiscais deste ano deverão ser cumpridas apesar dos aumentos de gastos. "O importante é que a meta de superávit primário seja atingida e nossa hipótese no BC é que ela será atingida neste ano e no próximo", afirmou Meirelles. O objetivo do governo é alcançar superávit primário equivalente a 4,25% do PIB nos dois anos. Ele não é capaz de equilibrar receitas e despesas do setor público, mas é considerado pelo governo suficiente para conter a expansão da dívida pública. (RB)