Título: Compromissos inconciliáveis
Autor: Cristino, Vânia
Fonte: Correio Braziliense, 03/11/2010, Economia, p. 13

Dilma prometeu investir no social. Mas também fazer os juros caírem. Só que, para isso, terá de promover o ajuste fiscal

Ainda nem começou e o novo governo já está numa saia justa: como conciliar as promessas de campanha, reafirmadas pela presidente eleita, com a pressão dos aliados por mais gastos, com destaque para o aumento do salário mínimo e o reajuste real dos aposentados? Toda a expectativa criada na população por um governo que avance no social esbarra no tão famigerado esforço fiscal, que o mercado e os analistas apontam como único caminho possível para a redução dos juros e o consequente equilíbrio do câmbio.

Sem o ajuste fiscal que significa um esforço do governo para economizar um percentual das receitas que arrecada a queda de juros é uma ficção. Não dá para reduzir os juros se o governo não diminuir os gastos. Para 2011, inclusive, a melhor expectativa é pela manutenção da taxa básica em 10,75% ao ano, não estando descartado um aumento a partir do primeiro trimestre, explicou o economista-chefe da Prosper Corretora, Eduardo Velho.

Até mesmo o Banco Central já se posicionou a respeito. Criticado pelo aumento dos juros este ano para combater a inflação e, principalmente, por não ter ainda dado início à tão aguardada queda, o BC já disse com todas as letras que espera um esforço adicional, da ordem de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano que vem para a inflação convergir para o centro da meta, que é de 4,5% no final do ano. Para o BC, assim como para o mercado, a economia de 3,3% do PIB este ano, que só será obtida com os recursos advindos da capitalização da Petrobras, não conta para efeito de política monetária.

Para o BC, a economia real que o governo fará em 2010 é da ordem de 2,4% do PIB, insuficiente para contribuir para o controle dos preços. Sobra, então, para a própria instituição arcar com o ônus da gastança do governo via aumento dos juros. Há muito tempo que o superavit primário não representa mais a economia que o governo faz, tamanha é a manobra para cumprir a meta, observou o economista Sílvio Campos Neto, do Banco Schahin.

Lula

De quebra, se o governo fizer a sua parte e frear os gastos, terá praticamente resolvido o problema do câmbio baixo, que vem provocando uma gritaria sem fim dos exportadores. A queda dos juros diminuirá a atratividade dos papéis brasileiros e, com o fluxo de dólares para o país diminuindo, a tendência é do real não ficar tão apreciado, esclareceu um economista.

No apagar das luzes do seu governo, no entanto, o presidente Lula parece estar disposto a inverter o jogo. Assessores próximos ao Presidente da República garantem que ele deu carta branca aos técnicos para propor medidas de austeridade. Lula acha que tem cacife político para queimar e que é melhor deixar a casa em ordem para Dilma e, assim, evitar um desgaste para a nova presidente no início de mandato.

A ideia do presidente é economizar em despesas correntes, por exemplo, gastos com pessoal. Vai contrariar os servidores públicos, mas deixará fora programas caros ao governo, como o Bolsa Família. O governo também sabe da necessidade de promover ajustes na Previdência Social, mas esse é um assunto tabu até o momento. O titular da pasta, Carlos Eduardo Gabas, prometeu deixar para seu sucessor um conjunto de propostas. Ele chegou a defender a proibição da acumulação de aposentadorias com pensão e regras mais rígidas para a concessão da pensão por morte de forma a evitar que um jovem que se case com um parceiro muito mais velho fique décadas recebendo um benefício da Previdência Social.

O economista Marcelo Abi-Ramia Caetano, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), disse que um primeiro passo poderia ser a regulamentação do fundo de previdência dos servidores públicos. A reforma feita pelo presidente Lula ficou inconclusa porque o fundo não saiu do papel, observou. Só com o fundo é que o governo vai deixar de arcar, no futuro, com a aposentadoria integral dos servidores públicos.

Teste

Só que, depois de anos gastando sem parar, o mercado está cético quanto à adoção de medidas impopulares. Um bom teste, segundo analistas, será a fixação do novo salário mínimo, que deverá entrar em vigor na data da posse de Dilma, 1º de janeiro. Pela regra atual o piso salarial do país só receberia a inflação do ano, uma vez que o PIB de 2009 foi negativo, passando dos atuais R$ 510,00 para algo em torno de R$ 538,00.

As centrais sindicais, no entanto, já avisaram que vão lutar por um aumento real, tanto para o mínimo quanto para as aposentadorias e pensões acima do piso salarial. Aliados do governo na disputa eleitoral, eles ficaram quietos durante a campanha, mas estão afiando as garras para a negociação que começa este mês. O presidente da Associação dos Aposentados da Força Sindical, João Inocentini, já disse que o governo tem todas as condições de adiantar para o segmento os ganhos deste ano. Segundo ele, a maioria das categorias profissionais conseguiram aumento real acima de 5% em 2010.

Passo a passo

Entenda como o fim da gastança gera um ciclo virtuoso para o país

» O superavit primário é a economia que o governo faz. Se ele for robusto, pode ser suficiente para abater os juros e, com isso, contribuir para a redução da dívida pública.

» Em consequência do ajuste, a inflação também deixa de

ser pressionada pelos gastos públicos.

» Com os preços em patamar mais baixo, o Banco Central pode

reduzir os juros básicos da economia, a taxa Selic.

» Os juros em queda fazem com que os papéis brasileiros

paguem remunerações menos atraentes aos investidores e

deixem de ser tão atrativos para os estrangeiros.

» Com a redução da enxurrada de dólares no país, o real se

desvaloriza e as importações passam a ser menos atraentes,

enquanto as exportações ganham força, reduzindo o rombo

das contas externas do país.

CRÉDITO AO CONSUMIDOR

A presidente eleita, Dilma Rousseff, defendeu ontem taxas de juros mais baixas para o crédito ao consumidor. Questionada sobre os motivos de a taxa dos financiamentos ser tão alta, Dilma ponderou que ela só baixará se o governo conseguir manter cadente a relação dívida/PIB. Quanto mais essa relação cair, mais teremos condições de ter juros menores para o consumidor, disse. Para Dilma, os juros ao consumidor devem, gradualmente, convergir para o patamar da taxa básica. Não há razão para essa discrepância, até porque a inadimplência no país não é alta, afirmou.