Título: Mudança de patamar
Autor: Guimarães , Luiz Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 31/05/2012, Especial, p. F1

Quanto vai ser o juro real de 2012? Os analistas consultados semanalmente pelo Banco Central projetam, para os padrões brasileiros, uma taxa apavorante: 3,40%. Esperam uma Selic média no ano de 8,72% e um IPCA de 5,17%. As expectativas para os próximos doze meses são ainda mais assustadoras, porque o juro básico será menor e a inflação maior: como o swap de 360 dias ronda os 8% e o IPCA previsto vai a 5,5%, o juro real cede a 2,37%.

As projeções metem medo porque sugerem que o Brasil, o eterno paraíso do juro alto, está entrando em uma zona desconhecida, impregnada de assombrações. Taxas reais tão baixas vieram para ficar ou são devaneios dos quais logo o país acordará?

O que os analistas sabem é que a era do juro sidéreo ficou para trás. Muito lentamente, a sociedade vem percebendo que as taxas cavalares do passado não são um fato da vida. O declínio, sim, tem jeitão de inevitável. Basta comparar: estudo feito pelo economista César Locatelli, sócio da F2 Formação Financeira, a pedido do Valor, mostra que a média do juro real foi de 21,65% ao ano no primeiro mandato de FHC, caiu para 10,24% no segundo, subiu a 11,27% no primeiro governo Lula e despencou para 5,58% no segundo. E no primeiro ano de Dilma escorregou para 4,80%.

A parte mais ressabiada dos economistas com o arrojo demonstrado pelo governo Dilma em trazer os juros brasileiros, não só a taxa básica, mas também as do crédito, para patamares civilizados - comparativamente aos demais emergentes - é composta pelos da linha ortodoxa.

Para eles, o governo mostra um nítido "viés inflacionista" e pode estar abandonando duas pontas do tripé que vem dando muito certo: política monetária apertada, câmbio flutuante e superávit fiscal. Das três variáveis, a intocada é a última. As duas primeiras estariam rachadas: a política de juros já não persegue mais com o afinco de gestões anteriores a meta central de inflação e o governo, no início do ano, puxou deliberadamente o dólar para combater o "tsunami monetário" identificado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Para a ala dos menos ortodoxos, o BC não está derrubando os juros na marra. E o câmbio continua flutuando, só deixou de fazê-lo numa única direção, a da apreciação do real.

José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, diz que a direção da política monetária do BC é correta e oportuna. O que pode suscitar discussão é a velocidade de queda da Selic. "O BC está certo, mas como atingiu degraus inesperados muito rapidamente, o mercado fica inquieto", afirma. A expectativa dele é que o ritmo de baixa não será desacelerado. A definição do que é ou não parcimonioso depende da realidade. O que foi considerado ousado no passado pode ser visto como cauteloso hoje. Para Lima Gonçalves, a Selic chegará logo aos 8% e estabelecerá um teto para o juro básico.

O quanto cairá abaixo disso depende dos efeitos da conjuntura externa. O piso nominal da Selic tem um limitador fixado pelo juro real. Haverá perigo se cair abaixo de 2,5%. O cenário mais provável lá fora é de ruptura do euro e da persistência do dilema fiscal americano. Quem vai determinar se o mundo entrará em recessão ou em depressão será a China, cuja política econômica emite sinais vacilantes. Uma recessão global derruba os preços das commodities brasileiras compensando o impacto danoso sobre a inflação da alta do dólar.

"Os efeitos da conjuntura externa sobre o país propiciam um espaço generoso ao declínio da Selic. O BC não está forçando a barra", diz o sócio-diretor da LCA Consultores, Fernando Sampaio. O número mágico com o qual o mercado trabalha é 8%. Mas há muita controvérsia sobre como e quando a Selic chegará lá. Para Sampaio, esses 8% cabalísticos não demarcam nem piso nem teto da taxa básica. Pode descer mais se houver uma ruptura na Europa, com a queda sendo moderada por outros estímulos ao crescimento, no caso, medidas destinadas a minorar o impacto de uma recessão. Como também a taxa poderá voltar a 12% no ano que vem se o sinal inflacionário piscar no vermelho. "Hoje o BC preocupa-se nitidamente com a atividade, mas não será irresponsável em sua missão de combater a inflação. A pecha que alguns colocam nele de descaso com a inflação é imprecisa e exagerada. Estão se esquecendo que no início do governo Dilma tudo foi feito, da alta da Selic às medidas macroprudenciais, para esfriar a economia e segurar a inflação, com muito sucesso", diz Sampaio.

Não há, na sua visão, um plano para a derrubada da Selic. Se houvesse, o esforço que está sendo feito para reduzir os spreads bancários seria contraditório, pois ele age justamente para frear a queda do juro básico. Se o governo conseguir diminuir consideravelmente a diferença entre os juros de captação dos bancos e os dos empréstimos, os primeiros já não precisarão cair tanto. Já se a Selic tombar muito, os spreads se manterão intactos mesmo que se reduza o custo do crédito. Não resta dúvida, porém, que é necessário reduzir os juros. Com o pagamento anual de juros sobre a dívida, de cerca de 5% do PIB, o governo libera recursos para investimento.