Título: Novo afrouxamento nos EUA virá até o fim do ano, diz BNP
Autor: Oms , Carolina
Fonte: Valor Econômico, 03/07/2012, Finanças, p. C3

As rodadas de afrouxamento monetário promovidas pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) foram bem sucedidas em baixar os custos dos empréstimos para o setor privado, mas ainda não beneficiaram os donos de residências. Por esse motivo, a economista-chefe de América do Norte do BNP Paribas, Julia Coronado, avalia que o Fed vai anunciar um programa de compra de títulos hipotecários, destinado a diminuir os custos do financiamento do setor e estimular sua recuperação.

O Fed havia tomado atitude semelhante logo após o início da crise, em janeiro de 2009, e encerrou o programa no fim de março de 2010, depois de comprar US$ 1,25 trilhões em bônus lastreados em financiamentos residenciais. Para a economista do BNP, o programa ajudará a estimular a demanda por casas.

Em sua primeira visita à cidade de São Paulo, Julia falou ao Valor sobre a lenta recuperação da economia americana e sobre o que considera os próximos passos da autoridade americana para impulsioná-la.

A economista também afirma que o Fed anunciará uma terceira rodada de Quantitative Easing (QE, na sigla em inglês, afrouxamento monetário baseado na compra de títulos públicos e privados) até o fim deste ano: "Seria melhor se a política fiscal fosse mais construtiva, mas a nossa política é muito disfuncional em um ano de eleição".

Como em 2008, a economista espera que os emergentes liderem a recuperação da economia mundial ou o risco será uma recessão global. "Esse não é nosso cenário base, mas é uma preocupação. A crise europeia já saiu do mercado financeiro e abala a economia real, os Estados Unidos não têm mais capacidade de impulsionar o crescimento global e não há uma região acelerando agora no mundo".

Valor: Esta é uma crise de balanço que vai levar muitos anos, talvez uma década, para ser resolvida?

Julia Coronado : Com certeza, os consumidores ainda estão desalavancando [diminuindo dívidas] e vão continuar a fazê-lo. Eles acreditavam que o valor de suas casas e de suas aposentadorias era mais alto do que acabou sendo e terão que reajustar seu estilo de vida e suas contas - isso levará muito tempo. E nós ainda temos que repensar nosso sistema previdenciário, que acabou se tornando mais generoso do que nós podemos pagar.

Valor: A senhora espera outra rodada de afrouxamento monetário?

Julia : Antes do fim do ano, eu espero QE e o anúncio de um programa de compra de títulos de hipotecas residenciais. As políticas do Fed funcionaram para baixar os juros para as empresas, mas têm sido menos efetivas em diminuir os custos de empréstimos para os devedores. O foco nesse mercado ajudará a estimular a demanda por casas. Além disso, seria melhor se a política fiscal fosse mais construtiva, mas a nossa política é muito disfuncional em um ano de eleição.

Valor: O Fed afirmou que vai manter as taxas de juros em níveis extremamente baixos até 2014. Esse horizonte pode se estender ainda mais?

Julia : Sim, eu acho que eles vão manter as taxas nestes níveis até a metade de 2015, é até interessante que eles não tenham anunciado isso no último comunicado, dado que a "operação Twist" foi estendida. Mas acho que eles estão guardando esse anúncio para depois, como mais um sinal ao mercado de que vão manter a política monetária frouxa.

Valor: O Fed pode fazer mais do que comprar bônus?

Julia : Eles poderiam fazer algo como o programa do Banco da Inglaterra para estimular os empréstimos, mas este é um programa feito junto com o Tesouro e isso é impossível em um ano de eleição, seria controverso demais. E você precisa dessa parceria porque os bancos centrais não são autorizados a assumir riscos. Na crise, quando o Fed assumiu risco de crédito através dos resgates da Bear Stearns e da seguradora AIG eles tiveram que invocar uma cláusula de emergência. Mas a lei Dodd-Frank proibiu isso e agora tudo que eles podem fazer é comprar bônus.

"Os EUA não têm mais capacidade de impulsionar o crescimento global e não há uma região acelerando no mundo"

Valor: A questão política e as eleições que se aproximam já estão impedindo o Fed de fazer mais?

Julia : Os políticos têm pressionado o Fed mais do que fizeram no passado, mas, claramente, eles não o impediram de estender a "operação Twist", nem de anunciar a segunda rodada de QE. O Fed é politicamente independente e continuará a tomar as decisões que seus membros acham necessárias para incentivar a atividade econômica. Mas também são sensíveis ao retrocesso que os políticos podem causar à independência do Fed se eles irritarem os congressistas o suficiente. Eles estão balanceando, mas acho que, quanto pior a economia, mais difícil recusar a ajuda.

Valor: Em 2008, os emergentes lideraram a recuperação global. Isso vai acontecer novamente?

Julia : Tem que acontecer. Nós estamos em um ajuste que vai levar muito tempo, o consumo americano tem pouca capacidade de se expandir e impulsionar o crescimento e na Europa ele deve se retrair.

Valor: Mas estamos vendo a China desacelerar, o Brasil também...

Julia : É uma preocupação. É um péssimo encontro de circunstâncias e é por isso que os riscos são muito altos agora, algo pior pode acontecer, como uma recessão global. Esse não é o nosso cenário base, mas é uma preocupação. A crise europeia saiu do mercado financeiro e abala a economia real, os Estados Unidos não têm mais capacidade de impulsionar o crescimento global e não há uma região acelerando agora no mundo. O potencial de crescimento global é muito mais baixo para os próximos anos como resultado desses ajustes. Os emergentes que têm voltado suas energias para expandir seus mercados consumidores devem continuar a fazê-lo cada vez mais. O Brasil está muito mais avançado nesse processo do que a maioria das economias emergentes asiáticas, mas mesmo vocês são muito dependentes das exportações.

Valor: A aversão ao risco causada pela crise tem levado à valorização do dólar. Essa apreciação é um risco à recuperação?

Julia : Sim, a apreciação não é boa para a economia e traz riscos para a recuperação econômica. Pela primeira vez em 30 anos, a manufatura está expandindo e o setor de turismo foi responsável por 25% dos empregos criados.

Valor: Outra rodada de QE poderia amenizar ou reverter essa apreciação?

Julia : Nós acreditamos que o QE pode colocar pressão de baixa sobre o dólar, tudo o mais igual. Mas ainda é preciso observar as ações dos outros bancos centrais.

Valor: As expectativas de um "abismo fiscal" (fiscal cliff) já estão afetando a recuperação?

Julia : A incerteza fiscal já vem restringindo a recuperação, impedido as empresas de contratar e investir. Nós projetamos que uma parte dos incentivos fiscais seja estendida e que não haverá um choque extremo para a economia, mas só saberemos com certeza em dezembro, depois das eleições em novembro. As eleições vão adicionar incerteza na segunda metade do ano e nós nos perguntamos sobre o impacto que terão na contratação e no investimento. Podemos ficar sem nenhum crescimento no investimento no segundo semestre.

Valor: Como os problemas da Europa estão atingindo a economia americana?

Julia : É um fator significativo, nós estamos crescendo no primeiro trimestre de 2012 abaixo de 2%, no segundo trimestre os dados sugerem que o PIB crescerá apenas 1,5% - a Europa faz parte dessa desaceleração, não necessariamente através do canal de exportações, mas da crise de confiança e das turbulências que ela provoca no mercado financeiro.