Título: Indexação ainda afeta 38% da inflação
Autor: Arícia Martins ,
Fonte: Valor Econômico, 06/07/2012, Brasil, p. A4

Dezoito anos após a entrada em vigor do Plano Real, a inflação passada continua explicando parte relevante do repasse de preços na economia brasileira, apesar da incorporação de ganhos de produtividade nos reajustes de preços administrados e do uso mais comedido do Índice Geral de Preços-Mercado (IGP-M) como referência. Mesmo com a perda de peso dos itens monitorados no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) após a nova ponderação, 38% do indicador ainda responde a regras de indexação, formal ou informalmente. Os cálculos são do economista Thiago Curado, da Tendências Consultoria. Com a metodologia antiga do IPCA, com base na Pesquisa de Orçamentos Familiares 2002/2003, esse peso era de 41%.

Dentre os 17 preços atrelados à inflação considerados por Curado, 11 fazem parte do grupo de administrados. Os seis serviços restantes, no entanto, têm peso importante no IPCA, de 17%, com elevada dependência da inflação passada. São eles aluguel residencial, condomínio, mão de obra, cursos, cursos diversos e, principalmente, empregado doméstico, cuja remuneração segue de perto o salário mínimo. Alguns analistas, inclusive, denominam esse conjunto de preços como "serviços de alta indexação."

Após o aumento de mais de 14% do piso nacional em janeiro, os preços de empregado doméstico acumulam alta de 6,4% nos primeiros cinco meses do ano, muito acima da inflação cheia de 2,24%. Os reajustes na parte de educação também pressionaram a inflação no período, contribuindo para o avanço de 5% dos serviços indexados entre janeiro e maio, enquanto a parte de serviços não indexados subiu 2,7%, também segundo cálculos da Tendências.

É normal, segundo Curado, que os preços indexados se destaquem no início do ano devido a questões sazonais - como reajustes de tarifas públicas e mensalidades escolares -, mas a alta nos serviços poderia ser mais confortável caso a regra de correção do mínimo não considerasse diretamente a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Ele ressalta que a influência do mínimo se estende a outros ramos da economia, embora em alguns a formação de preços seja mais complexa e dependa também do nível de atividade, como nos serviços pessoais.

"Os mecanismos de indexação nunca desaparecem. Eles podem ficar escondidos em períodos de atividade fraca e voltar quando inflação e atividade estão acelerando", diz o economista. Ele vê preços de serviços voltando à tona no segundo semestre, após a perda de fôlego registrada na primeira metade do ano, quando a inflação do grupo em 12 meses cedeu de 9,2% em janeiro para 7,5% em maio.

Em seu último relatório de inflação, o Banco Central avaliou que, com a perda de fôlego da inflação em 12 meses, houve "certo arrefecimento" nos riscos decorrentes de mecanismos formais e informais de indexação de salários. O BC pondera, no entanto, que o aumento do mínimo impacta direta e indiretamente a dinâmica de outros salários e dos preços.

A autoridade monetária também dedicou um boxe do relatório aos administrados, que diminuíram de 28 para 23 itens na nova classificação do BC. Essa mudança, aliada à nova ponderação do IPCA, tirou seis pontos percentuais do peso do grupo no índice, que passou de 30% para 24%. No texto, o BC informa que decidiu não considerar mais o efeito câmbio no cálculo de suas projeções para esses preços, mas, ao detalhar seus modelos para prever as variações de monitorados, aponta o papel da inflação passada em todos itens analisados, exceto planos de saúde.

O IGP-M perdeu relevância como indexador em tarifas de energia elétrica, telefonia fixa, água, esgoto e medicamentos, que não seguem mais a variação automática do indicador e a produtividade incluída em suas políticas de reajustes. O índice calculado pela FGV, porém, ainda é o preferido para reajustar aluguéis, segundo Jaques Dushatsky, diretor de legislação do inquilinato do Secovi-SP.

"Quase a totalidade dos contratos escolhe o IGP-M. Vejo mais prática de repetição de costumes", diz, já que não há, em sua visão, outra explicação para a preferência de um índice altamente afetado por variações cambiais e de commodities, em detrimento de indicadores que medem preços no varejo. Nos contratos de aluguel comercial, porém, o advogado vê maior interesse dos inquilinos em fechar acordos que não envolvam a inflação no atacado para tentar contrabalançar o peso de outros custos.

Para Francisco Pessoa, da LCA Consultores, não há muito a fazer para diminuir no longo prazo o grau de indexação da economia pelo lado dos serviços, naturalmente alto em países com memória hiperinflacionária. "Quando se exige um contrato com prazo acima de um ano, há uma incerteza inflacionária razoável. Existe um medo de que o percentual de reajuste definido não acompanhe a evolução de custos do setor e a saída encontrada é reajustar pela inflação". A única opção viável para reduzir o papel da inércia, portanto, diz Pessoa, está na incorporação de ganhos de produtividade no reajuste de tarifas públicas, como vem acontecendo.

Curado acredita que a inércia tenderia a diminuir caso o centro da meta inflacionária fosse reduzido. O Conselho Monetário Nacional (CMN) definiu 4,5% como alvo para 2014, mesmo percentual perseguido pelo BC desde 2005 e também referência para 2013. "Se a inflação fosse controlada em um nível mais baixo por alguns anos, isso já enfraqueceria reajustes, mas exigiria um preço que o governo não está disposto a pagar em termos de política monetária e emprego", diz.