Título: Petrobras admite que pode faltar gás à Bolívia
Autor: Schüffner, Cláudia e Uchôa, Rodrigo
Fonte: Valor Econômico, 27/09/2006, Internacional, p. A13

"Se não houver novos investimentos em produção de gás na Bolívia, certamente faltará [gás] para cumprir os contratos com Brasil e Argentina", afirmou ontem o diretor financeiro da Petrobras, Almir Barbassa, reconhecendo as dificuldades de produção no país vizinho por causa da fuga dos investimentos. Na Bolívia, o vice-presidente do país, Álvaro García Linera, admitiu que o país atingiu o topo de sua capacidade de produção de gás natural, mas afirmou que os atuais contratos com Brasil e Argentina serão cumpridos.

Linera entretanto não contestou a Câmara Boliviana de Hidrocarbonetos (CBH), que diz que os contratos de fornecimento já assinados prevêem a entrega de volumes de gás acima dos hoje produzidos.

Segundo o diretor da Petrobras, a taxação de 82% da produção de gás na Bolívia, como prevê o decreto de nacionalização do setor, só permite que as empresas remunerem seus custos de produção e inviabiliza novos investimentos.

Já o vice-presidente Linera afirma que a falta de investimentos é um fenômeno que vem dos governo passados, principalmente quando foi presidente o liberal Jorge Quiroga (2001-2002). "Os investimentos vêm baixando desde 2002, pois houve um governo que presenteou as petroleiras com um decreto que as eximia de investir em poços novos em contrapartida à exploração de poços antigos."

O vice-presidente argumenta que essa é a razão de não ter mais gás "na boca do poço". "Temos gás lá embaixo, a 5 mil metros de profundidade, mas não temos na boca do poço para vender imediatamente. Isso vai requerer investimentos por um ou dois anos."

Pelas estimativas da Câmara Boliviana de Hidrocarbonetos (associação dos produtores privados), o país já não teria como honrar os contratos firmados hoje, e não apenas os contratos futuros, como disse Linera. A CBH estima que, com produção de 40 milhões a 41 milhões de metros cúbicos diários, como a atual, o déficit em relação ao fornecimento já contratado é de 5 milhões de metros cúbicos.

O contrato em vigor com a Petrobras prevê a venda de 30 milhões de metros cúbicos de gás por dia até 2019, mas também existem contratos privados de venda de gás para a distribuidora Comgás e para a térmica de Cuiabá. E, para manter volumes de produção que atendam a todos os contratos de venda (além do Brasil, outro comprador é a Argentina), a Bolívia precisará atrair novos investimentos não apenas para manter a atual produção (já que os campos entram naturalmente em declínio), mas também para aumentá-la.

Mesmo prevendo queda da produção boliviana de gás, Barbassa espera que, quando isso acontecer, o Brasil já tenha aumentado sua produção doméstica de gás natural, contando também com outras fontes de suprimento, como o gás natural liqüefeito (GNL). Contudo, o plano energético do governo conta com gás da Bolívia até 2030.

Questionado sobre a queda nos preços do gás no mercado internacional, que corroboram o que a Petrobras vinha defendendo nas negociações, Barbassa disse que isso "esvazia o argumento da Bolívia", lembrando que a Petrobras sempre pagou pelo gás com base na variação dos preços internacionais.

Cálculos da consultoria Economist Intelligence Unit mostram que os preços do gás no mercado internacional caíram 40% desde o anúncio da nacionalização na Bolívia, no início de maio deste ano, e 60% desde o fim de dezembro de 2005, para cerca de US$ 4,5 por milhão de BTU (British Thermal Unit, unidade de poder calorífero).

"Isso dificulta a demanda da Bolívia por reajuste significativo no preço que a Petrobras paga pelo gás, atualmente em torno de US$ 4 por milhão de BTU", afirma Érica Fraga, analista de América Latina da consultoria, em Londres.

A consultoria também aponta uma impressionante queda na taxa de investimentos estrangeiros diretos na Bolívia a partir de 2003, quando foram investidos US$ 197,4 milhões, volume 70% menor que no ano anterior. Em 2004 foram investidos apenas US$ 65 milhões no país, situação que chegou ao limite no ano passado, quando a Bolívia registrou uma saída líquida de investimentos de US$ 277 milhões a primeira reversão em 15 anos. Em 2006, segundo as projeções da consultoria inglesa, os investimentos estrangeiros totais na Bolívia deverão continuar em patamar muito baixo, inferiores a US$ 200 milhões. Mesmo assim, essa retomada será impulsionada por investimentos programados no setor de mineração, e não na prospecção e produção de gás.